12 Regras Para a Vida

A primeira vez que ouvi falar do Jordan Peterson foi em 2017, quando um amigo me enviou um vídeo do autor a apresentar um estudo sobre o Velho Testamento da Bíblia, mais concretamente sobre Génesis. Nesta altura estava a ler a Bíblia, pelo que ver o vídeo fazia todo o sentido, mas por algum motivo não me senti suficientemente motivado para o fazer (o facto de ter 3h de duração não ajudou).


Passados uns tempos, em Setembro de 2018, estava no aeroporto a caminho de Tenerife e resolvi dar o habitual passeio pela Fnac, onde encontrei o livro 12 Regras Para a Vida, com uma recomendação que aclamava o autor como o pensador mais influente da atualidade. Esta recomendação chamou-me à atenção e, ao chegar a Tenerife, resolvi pesquisar sobre Jordan Peterson. Descobri imenso material no youtube, desde estudos sobre a Bíblia (desta vez vi o vídeo mencionado anteriormente até ao fim), a entrevistas, debates e muitos vídeos das suas aulas de psicologia como professor universitário.


No final de toda esta pesquisa já era mais um fã do psicólogo, tanto que resolvi comprar o livro.

Li, re-li e estudei este livro e agora partilho alguma dessa informação que recolhi. Aqui exponho apenas alguns excertos sobre a regra em questão. Desta forma excluo muita informação e debates igualmente interessantes.

Isto serve apenas para dizer que estes resumos não traduzem o valor e complexidade do livro, nem substituem a sua leitura na íntegra.


Sobre o autor:

"Depois de anos a leccionar na Universidade de Harvard, Jordan B. Peterson é atualmente professor catedrático de Psicologia na Universidade de Toronto. Educado nos desertos gelados da Alberta do Norte (Canadá), deu aulas de mitologia a advogados, médicos e empresários, foi consultor do Secretário Geral da ONU Ban Ki-moon, ajudou centenas de pacientes a enfrentar a depressão, perturbações obsessivo-compulsivas e ansiedade. Em coautoria com colegas e alunos das universidades de Harvard e Toronto, publicou mais de uma centena de artigos científicos. Nos últimos anos começou a divulgar as suas palestras online, tendo dezenas de milhões de seguidores.

O seu primeiro livro, Maps of Meaning, revolucionou a Psicologia das Religiões."

"Um dos mais ecléticos e estimulantes intelectuais da atualidade, destemido e apaixonado." Guardian

"É atualmente o mais influente e mediático pensador do mundo ocidental." New York Times

Este livro aborda 12 Regras, onde "Cada uma destas regras - e os ensaios que as acompanham - providencia um guia para nos mantermos lá - sendo "lá" a linha que divide a ordem do caos." Mas este livro vai muito para além  destas regras, abordando temas como história, mitologia, neurociências, psicanálise, psicologia infantil, poesia e a Bíblia.


https://youtu.be/-5RCmu-HuTg


Junho, 2019

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Reflexão #1

Algumas ideias essenciais que retirei do livro:

-Primeiro, endireita as costas (regra 1). Para além dos benefícios físicos e mentais, andar com as costas direitas é uma filosofia de vida. Devemos encarar os problemas e adversidades com coragem e dignidade.
Devemos enfrentar os desafios de forma voluntária. Vão sempre surgir problemas, como tal, devemos prevenir-nos. É sempre melhor confrontar os problemas. Podemos fingir que eles não existem, mas isso só vai piorar a nossa situação.
-Assume a responsabilidade pela tua vida. Uma vida desprovida de qualquer responsabilidade é uma vida desprovida de sentido. Gostamos de nos sentir úteis e competentes, portanto temos de fazer aquilo que é necessário para nos tornarmos bons em algo. É fantástico quando nos tornamos bons em determinada área e podemos ajudar os outros com essa competência.
-O equilíbrio entre a ordem e o caos. Ainda que procuremos sentir que as coisas estão sob controlo não queremos ter uma vida totalmente previsível. Devemos ter uma estrutura para não nos perdermos, porém uma vida demasiado regrada é tão destrutiva quanto aquela sem quaisquer regras. Negoceia, com os outros e contigo. Temos a capacidade de ser tirânicos e pouco flexíveis, inclusivamente connosco mesmos. Temos de perceber aquilo que estamos dispostos a abdicar e aquilo que realmente precisamos. Temos de negociar connosco e com os outros para caminhar entre o caos e a ordem.
-Presta atenção. Estamos constantemente a recolher pistas, sobre nós, sobre o nosso ambiente e sobre os outros. Quanto melhores as pistas que recolhemos melhor vamos conseguir navegar.
-Respeita a tradição, mas presta atenção, porque esta nem sempre está certa. A tradição provou ser útil ao longo da história e de todas as adversidades que a puserem à prova. Por isso, devemos respeitá-la. Contudo, o mundo está em constante mudança e o nosso conhecimento sobre ele é cada vez maior. Como tal, certas adaptações são necessárias. Ainda assim, devemos ser cuidadosos ao tentar corrigir as tradições, pois não conhecemos todas as mudanças subjacentes a essa correção. Portanto, temos de ponderar bem e recolher provas suficientes para perceber se de facto a alternativa é melhor do que aquilo que já existe.
-A importância das histórias. As histórias são uma forma importante de comunicar e transmitir conhecimento ao longo das gerações. As boas histórias ficam guardadas.


Maio, 2020

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Reflexão #2

Neste mar de informação onde vivemos, por várias vezes me cruzei com a pergunta "sobre o que é que mudaste a tua posição recentemente?". No meu caso, foi a crença de que o estado é algo positivo, que nos beneficia.

Quando era adolescente comecei a deparar-me com informação que revelava as inúmeras falhas do "sistema" (como referido frequentemente no filme brasileiro tropa de elite). Influenciado pela rebeldia inata de qualquer adolescente, comecei a aperceber-me das inúmeras mentiras e desinformação a que estamos sujeitos. Estes dois fatores combinados contribuíram para um sentimento de cinismo e desprezo em relação ao estado.

Uma das minhas teorias defende que, enquanto seres humanos, estamos sempre a tentar resolver os problemas com os quais nos deparamos. O facto de agirmos para resolver esses problemas resulta, muitas vezes, na melhoria da situação presente. Porém surgem novas questões sobre as quais não ponderamos. O estado é um desses exemplos. O estado é o sistema que foi criado para resolver os principais problemas da sociedade. Porém, para serem identificados e corrigidos, estes problemas tiveram de ser generalizados. Desta forma, corrigiram-se os problemas maiores (os da sociedade como um todo). Ainda assim, estas soluções não consideraram, ou não foram suficientemente eficientes, para eliminar os problemas de toda a gente. Portanto, a solução de um problema grande, não corrige todos os problemas, por vezes até resulta na criação de novos problemas. Contudo, a questão principal, a maior, a mais importante, foi resolvida. Este é o jogo. Resolvemos o problema mais importante, mas vão surgir novos problemas, mas mais pequenos. E ao resolvermos esses problemas mais pequenos, vão surgir novos problemas, mas mais pequenos. Isto é o estado. O estado é este sistema do qual todos (pelo menos nos países desenvolvidos) tanto beneficiamos. Beneficiamos tanto que, a maior parte dessas coisas das quais beneficiamos nem as vemos como benefícios, mas como direitos. Por vezes, somos ingratos (uns mais que outros) relativamente a esta máquina que foi desenvolvida e aprimorada pelo tempo. Talvez porque o tempo fez com que certas pessoas e certos grupos tentassem corromper esta máquina. Alguns fizeram-no com sucesso. E por isso existe tanto desprezo e cinismo em relação ao estado. Algum é merecido. Mas a máquina ainda funciona. O estado ainda nos ajuda diariamente, independentemente das suas falhas. E por isso devemos estar gratos. Uma simples meditação sobre a nossa vida e conseguimos perceber isso. Isto se não estivermos cegos pela nossa ideologia.

A leitura deste livro do Jordan Peterson ajudou-me a meditar mais sobre algumas questões anteriormente apresentadas e a fortalecer algumas dessas ideias. Nomeadamente, as reflexões sobre a tradição, o conhecimento e as estruturas que são moldados pelas pessoas e pela história ao longo do tempo, foram especialmente importantes. Estes processos longitudinais são extremamente complexos e o facto de resistirem ao tempo e às dificuldades, continuando a provar a sua utilidade tendem a demonstrar a sua validade. Tal como o autor menciona, os erros saltam à vista e por isso é fácil reparar neles. Ainda assim, porque não desenvolver também a capacidade de apreciar a história e aquilo que nos deixado? Principalmente as pequenas coisas, que fazem parte do nosso dia a dia, que à primeira vista nem reparamos nelas.


Maio, 2020

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Regra 1 - Levante a Cabeça e Endireite as Costas

Regra 1 Levante a Cabeça e Endireite as Costas


 “O seu sistema nervoso é simples, com neurónios grandes e facilmente observáveis – as células mágicas do cérebro. Foi desta forma que os cientistas puderam estabelecer com bastante exatidão o mapa dos circuitos neurológicos das lagostas. Isso ajudou-nos a perceber a estrutura e as funções do cérebro e do comportamento de animais mais complexos, incluindo os seres humanos”


 “A química do cérebro de uma lagosta derrotada é diferente da de uma lagosta vencedora. Isso reflete-se na sua postura. Se uma lagosta é confiante ou medrosa, isso depende do rácio de dois químicos que controlam a comunicação entre os neurónios da lagosta: a serotonina e a octopamina. Ganhar ou perder uma luta aumenta o rácio do primeiro em relação ao segundo.”


“Consideremos a serotonina, o químico que regula a postura e a fuga no caso da lagosta. As lagostas do fundo da hierarquia produzem menos serotonina. Isso também é verdade para os seres humanos no fundo da hierarquia (e os níveis baixos de serotonina reduzem-se com cada derrota). Um nível baixo de serotonina significa redução na confiança. Significa mais vulnerabilidade ao stress e uma preparação mais dispendiosa em caso de emergência – porque tudo pode acontecer, a qualquer momento, no fundo da hierarquia da dominância (e raramente são coisas boas). Um nível baixo de serotonina significa menos felicidade, mais dor, ansiedade, doença, e uma vida mais curta, tanto entre os humanos como entre os crustáceos. Nos lugares cimeiros da hierarquia da dominância, por norma, os indivíduos têm níveis mais elevados de serotonina, e são menos propensos à doença, depressão e morte, mesmo quando fatores como o rendimento – ou para as lagostas, a comida – são constantes. A importância disto deve ser realçada.”


 “Quando uma lagosta derrotada ganha coragem e se atreve a lutar novamente, é mais provável que venha a perder, estatisticamente, do que seria de esperar – tendo em conta lutas anteriores. Já a lagosta que venceu, por outro lado, terá mais probabilidade de ganhar a batalha seguinte. É uma espécie de mundo em que a lagosta vencedora ganha tudo, tal como acontece nas sociedades humanas, onde de um por cento da população – os mais ricos – tem mais dinheiro do que 50 por cento da população mundial mais pobre – e onde as 85 pessoas mais ricas do mundo têm mais dinheiro do que os 3,5 mil milhões mais pobres.”


“O mesmo princípio brutal da distribuição desigual aplica-se ao domínio financeiro – aliás, aplica-se onde quer que haja produção criativa. A maioria dos estudos científicos é publicada por um pequeno grupo de cientistas. Uma pequena porção de músicos produz a maioria da música comercial gravada e vendida. Apenas um punhado de autores vende grande parte dos livros comercializados.”


“Este princípio é também conhecido como a Lei de Price, de Derek J. de Solla Price, o pesquisador que descobriu a sua aplicação à ciência, em 1963... O princípio básico fora descoberto muito antes. Vilfredi Pareto (1848-1923), um polímata italiano, notou a sua aplicabilidade à distribuição da riqueza no início do século XX, e o princípio parece ser verdadeiro para cada sociedade já estudada, independentemente das formas de governo de cada uma. Também se aplica à população de cidades (um pequeno número de cidades tem a maioria da população), à massa dos corpos celestes (um pequeno grupo acumula a maioria da matéria), e a frequência das palavras na linguagem (90 por cento da comunicação recorre apenas a 500 palavras), entre muitas outras coisas.”


 “O corpo, com as suas várias partes, precisa de funcionar como uma orquestra bem ensaiada. Cada sistema tem de desempenhar o seu papel de forma apropriada e exatamente ao mesmo tempo, ou espera-nos o ruído e o caos. Por isso é que as rotinas são necessárias. As ações que repetimos diariamente precisam de ser automatizadas. Têm de ser transformadas em hábitos estáveis e seguros, de forma a perderem a sua complexidade e a ganhar os atributos daquilo que é previsível e simples.”


“Tive muitos pacientes cuja ansiedade foi reduzida apenas porque começaram a tomar o pequeno-almoço e a dormir de acordo com um horário previsível.”


 “Essa é outra lição – bem mais otimista – da Lei de Price e da distribuição de Pareto: aqueles que têm vontade, provavelmente receberão mais.”


“Alterações da linguagem corporal são um bom exemplo. Se um pesquisador nos pedir para movermos os músculos faciais, um de cada vez, de forma a parecermos tristes ao observador, vamos de facto sentir-nos mais tristes. Se nos for pedido para mover os músculos, um a um, de maneira a parecermos felizes, vamos de facto senti-nos mais felizes. As emoções são, em parte, expressão corporal, e podem ser amplificadas (ou enfraquecidas) por essa expressão.”


“Levantar a cabeça, fisicamente, também implica, evoca e exige que estejamos erguidos metafisicamente.”


“O sistema nervoso responde de uma forma inteiramente distinta quando enfrentamos as exigências da vida voluntariamente. Respondemos a um desafio, em vez de nos prepararmos para uma catástrofe.”


“Procuremos a inspiração na lagosta vitoriosa, com os seus 350 milhões de anos de sabedoria prática. Levantemos a cabeça e endireitemos as costas.”


Maio, 2020

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Regra 2 – Cuide de si como cuida daqueles que dependem de si

Regra 2 – Cuide de si como cuida daqueles que dependem de si


 “Imagine que um medicamento é receitado a 100 pessoas. Considere o que acontece a seguir. Um terço dessas pessoas não avia a receita. Metade dos restantes 67 vão à farmácia, mas não tomarão o medicamento da forma indicada. Não tomam todas as doses. Deixam de tomar os comprimidos antes do tempo. Pode ser que nem abram a caixa.”


“As pessoas são mais eficazes a aviar as receitas e a administrar os medicamentos aos seus animais de estimação do que a si mesmas.”


 “ De certa forma, o mundo científico da matéria pode ser reduzido aos seus elementos fundamentais: moléculas, átomos, até partículas subatómicas. No entanto, o mundo da experiência também tem componentes primários. Esses são os elementos necessários e cujas interações definem o drama e a ficção. Um deles é o caos. O outro a ordem. O terceiro (porque há três) é mediado entre o caos e a ordem, e parece idêntico àquilo que as pessoas modernas chamam consciência. É a nossa eterna subjugação aos dois primeiros que nos faz duvidar da validade da existência - que nos faz vomitar de desespero, e que falhemos na tarefa de cuidar de nós de forma apropriada. É um conhecimento apropriado do terceiro elemento que nos permite a única saída real.”


“Ordem é o Shire dos hobbits, nos livros de Tolkien: pacífico, produtivo e seguro, até mesmo para os ingénuos. O caos é o reino subterrâneo dos dwarves, usurpado por Smaug, a serpente do tesouro. O caos é o fundo do profundo oceano, para o qual o Pinóquio viaja a fim de resgatar o seu pai do Monstro. Essa viagem de resgate, para as trevas, é a coisa mais difícil que um boneco tem de fazer, caso queira transformar-se num menino real, afastar-se das tentações da mentira, da dissimulação, da vitimização, dos prazeres impulsivos e da subjugação totalitária; caso queira assumir o seu papel como Ser genuíno no mundo.”


“A ordem não é suficiente. Não podemos apenas estar seguros ou ser estáveis e imutáveis, porque ainda há coisas vitais e importantes a aprender. No entanto, o caos pode ser demasiado. Não é apenas possível tolerarmos uma constante de coisas que nos assombram e afogam, que ultrapassam a nossa capacidade para lidar com elas, enquanto aprendemos aquilo que temos de conhecer. Assim, precisamos de colocar um pé no que dominamos e percebemos melhor, e outro pé naquilo que queremos explorar e dominar. Então, estaremos situados no lugar em que o terror da existência está sob controlo e nos sentimos seguros, mas onde também nos encontramos alerta e envolvidos. É aí que está algo novo para aprender e uma maneira de podermos melhorar. É aí que se encontra sentido.”


“Até o mais vigilante dos pais não consegue proteger os seus filhos a toda a hora, mesmo que os tranque na cave, afastados das drogas, do álcool e da pornografia na internet. Nesse caso extremo, os pais demasiado cautelosos e preocupados acabam por substituir os outros terríveis problemas da vida. Esse é o grande pesadelo edipiano de Freud. É deveras melhor tornar competentes os Seres ao nosso cuidado do que protege-los.”


“E mesmo que fosse possível eliminar permanentemente tudo o que nos pode ameaçar – tudo o que é perigoso e, como tal, desafiante e interessante, isso significaria que outro perigo iria aparecer: o permanente infantilismo humano, a absoluta inutilidade. Como podia a natureza humana atingir o seu pleno potencial sem desafios e perigos? Quão aborrecidos e desprezíveis nos tornaríamos se não houvesse motivos para prestarmos atenção?”


“Uma pergunta para os pais: quer que os seus filhos se sintam seguros ou que sejam fortes?”


“Talvez o Céu seja algo que temos de construir, e a imortalidade algo que temos de merecer.”


 “Os seres humanos têm uma enorme capacidade para fazer o mal. É um atributo singular neste mundo. Podemos piorar as coisas voluntariamente com total conhecimento do que estamos a fazer (tal como o podemos fazer acidentalmente, imprudentemente e de uma forma que é deliberadamente cega). Tendo em conta essa terrível capacidade, e a tendência para as ações malévolas, não é de estranhar que tenhamos dificuldade em tomar conta de nós, ou de outros – ou até que duvidemos do valor do enorme empreendimento que é a humanidade. E há muito tempo que, por boas razões, suspeitamos de nós mesmo. Há milhares de anos, na antiga Mesopotâmia, acreditava-se, por exemplo, que a humanidade era feita do sangue de Kingu, o monstro mais terrível que a grande Deusa do Caos produzira num dos seus momentos mais vingativos e destruidores. Depois de chegar a conclusões como esta, como não iríamos questionar o valor do Ser?”


“É fácil acreditar que as pessoas são arrogantes, egoístas e que só se preocupam consigo mesmas. O cinismo, que faz dessa opinião um truísmo universal, está disseminado e na moda. Mas tal postura perante o mundo não é uma característica de muitas pessoas. Essas têm o problema oposto: carregam fardos intoleráveis de repulsa por si mesmas, e desprezo e vergonha e autoconsciência. Dessa maneira, em vez de aumentar de forma narcisista a sua própria importância, não são capazes de se valorizar e não se cuidam com atenção e engenho. Parece que, muitas vezes, as pessoas não acreditam realmente que merecem os melhores cuidados. Estão cientes de uma forma dolorosa, dos seus defeitos e inadequações, reais e exagerados, têm vergonha e duvidas sobre o seu valor.”


“Se alguém tem a felicidade de desfrutar de um raro período de graça e saúde impecável, então, é provável que haja algum membro da família que atravesse uma crise. No entanto, as pessoas prevalecem e continuam a fazer tarefas difíceis, que exigem esforço, para se manterem unidas à família e à sociedade. Para mim isto é milagroso – tanto que uma gratidão espantosa é a única resposta apropriada. Há tantas maneiras para as coisas colapsarem, para que deixem de funcionar completamente – mas são sempre pessoas danificadas que mantêm tudo unido.”


“A humanidade, como um todo, e aqueles que a compõem merecem ser tratados com empatia, tendo em conta o assombroso fardo que o individuo carrega; empatia com os subjugados pela tirania assassina do Estado e as depredações da natureza… É a empatia que deve ser o medicamento apropriado para o desprezo que temos por nós – um desprezo que tem a sua justificação, ma sessa justificação é apenas metade da história. O ódio ao Ser e à humanidade devem ser mitigados com a gratidão pela tradição e pelas pessoas comuns que todos os dias conseguem coisas incríveis – já para não falar das façanhas daqueles verdadeiramente notáveis.”


“Todos merecemos respeito. Somos importantes para os outros tanto como somos para nós. Temos um papel vital a desempenhar no destino do mundo. Estamos, por isso, moralmente obrigados a tomar conta de nós. Devíamos ajudar-nos, ser bons connosco, tal como cuidaríamos e ajudaríamos e seríamos bons com alguém que amamos e valorizamos.”


“Precisamos de considerar o futuro e pensar “Como será a minha vida se cuidar de mim apropriadamente? Que carreira me desafiaria e faria de mim alguém produtivo, capaz de ajudar, de forma a que pudesse carregar a minha parte da carga, e desfrutar das consequências? O que devia estar a fazer, quando tenho alguma liberdade, a fim de melhorar a minha saúde, a expandir o meu conhecimento, e a fortalecer o meu corpo? Precisamos de saber onde estamos, para que possamos começar o caminho. Precisamos de saber quem somos, para que possamos perceber as nossas armas e tornar-nos mais fortes, tendo em conta as nossas limitações. Precisamos de saber para onde vamos, para que possamos limitar a extensão do caos na nossa vida, e restruturar a ordem, trazer a força divina da Esperança para lidar com o mundo.”


“Não subestimemos o poder da visão e da direção. Estas forças irresistíveis são capazes de transformar os obstáculos que parecem intransponíveis no caminho das oportunidades. É preciso fortalecer o individuo. Comece consigo. Tome conta de si. Defina quem é. Aprimore a sua personalidade. Escolha o seu destino em articulação com o seu Ser. Como assinalou brilhantemente o grande filosofo do seculo XIX, Friedrich Nietzsche: “Aquele cuja vida tem um “porquê” pode suportar qualquer “como”.”


Maio, 2020

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Regra 3 – Faça amizades com pessoas que querem o melhor para si

Regra 3 – Faça amizades com pessoas que querem o melhor para si


 “Os problemas de viver num sítio frio. Um sítio frio é um sítio duro.”


“Para os mais jovens não havia muito que fazer, daí os amigos serem tao importantes, principalmente no inverno.”


“Suponho que seria mais romântico sugerir que todos agarraríamos a oportunidade de fazer algo mais produtivo, tendo em conta o nosso aborrecimento de morte. Mas não é verdade. Éramos precocemente cínicos, cansados do mundo, e não queríamos a responsabilidade de participar nas atividades e desportos escolares que os adultos tentavam organizar para nós. Fazer alguma coisa não era fixe.”


“No liceu, depois de o meu grupo de amigos ter desistido de estudar, fiz amizade com um par de alunos novos… Em comparação com os meus amigos anteriores, tinham ambição; eram diretos e de confiança, mas também porreiros e divertidos… Ambos queriam chegar longe. A decisão deles reforçou a minha.”


“Quando mudamos de lugar, tudo é imprevisível, pelo menos durante um tempo. Um stress. Mas, com o caos, há inúmeras possibilidades. As pessoas não podem rotular-nos com uma imagem do nosso passado. Somos arrancados das rotinas antigas. Podemos criar rotinas novas e melhores, com pessoas que desejam coisas melhores. Pensei que isso era apenas o desenvolvimento natural. Pensei que todos aqueles que mudavam de lugar – e o queriam – tinham a mesma experiencia de Fénix Renascida. Mas não era assim.”


“Por vezes, quando as pessoas têm uma má opinião quanto ao seu valor - ou talvez recusam a responsabilidade das suas vidas -, escolhem a companhia de uma pessoa nova, mas que é precisamente do género que já lhe deu problemas no passado. Essas pessoas não acreditam que merecem melhor – por isso não procuram o melhor. Ou, talvez não queiram os problemas de querer algo melhor. Freud chama a isso “compulsão repetitiva”, que via como uma motivação inconsciente para repetir os erros do passado – por vezes, talvez, para formular esses erros com mais precisão, por vezes para tentar dominá-los, e por vezes porque não havia alternativas.”


“As pessoas também escolhem amigos que não lhes fazem bem por outras razões. Por vezes, é porque querem salvar alguém. Isto é mais comum entre os jovens, embora esse ímpeto também exista entre adultos que são demasiado gentis ou que se mantiveram ingénuos ou que não querem ver.”


“Como é que sabemos que as tentativas para ajudar alguém não irão, pelo contrário, fazer-lhe pior? Imagine alguém que tem a missão de supervisionar uma equipa de trabalhadores excecionais, todos eles esforçando-se para alcançar um objetivo comum; imagine-os a trabalhar no duro, unidos, brilhantes, criativos. Mas a pessoa que os supervisiona também é responsável por alguém com muitos problemas, que tem um desempenho péssimo noutro lugar. Num impulso, o gerente bem-intencionado insere essa pessoa problemática na equipa excelente, tentando que o exemplo dos outros melhore o novo membro do grupo. O que acontece? – a literatura da psicologia é clara quanto a esta questão. Será que o novo elemento vai entrar nos eixos de imediato? Não. Em vez disso, é a equipa inteira que degenera.”


“Antes de ajudar alguém, devemos descobrir qual a razão dos problemas dessa pessoa. Não devemos apenas assumir que se trata de uma nobre vítima da exploração e das circunstâncias injustas. Trata-se da explicação mais improvável e não da mais provável. Na minha experiencia – clinica e não só – nunca é assim tão simples. Além disso, se engolimos a história de que tudo de terrível aconteceu porque sim, sem qualquer responsabilidade por parte da vítima, negamos a essa pessoa qualquer responsabilidade no passado (e, por implicação, no presente e no futuro). Desta forma, tiramos-lhe todo o poder."

"É bem mais provável que um individuo decida rejeitar o caminho ascendente porque é o mais difícil. Talvez essa deva ser a sua assunção inicial, sempre que enfrentamos uma dessas situações. Mas isso é muito duro, podemos pensar. É possível. Talvez seja demasiado. Mas considere o seguinte: o falhanço é a sua existência. Da mesma maneira, o medo, o ódio, o vício, a promiscuidade, a traição e o engano não exigem uma explicação. Não é a existência do vício, ou a indulgência que lhe é inerente, que requer uma explicação, porque o vício é algo fácil. O falhanço também é fácil. É mais fácil não carregar fardo algum. É mais fácil não pensar, e não fazer, e não nos preocuparmos. É mais fácil adiar para amanhã aquilo que precisa de ser feito hoje. Como diz o infame pai da família Simpson, imediatamente apos beber um frasco com maionese e vodca: “Isso é um problema para o Homer do futuro. Meu, não invejo esse tipo!”


“Sucesso: esse é o mistério. Virtude: aquilo que é explicável. Para fracassar, apenas precisamos de alimentar alguns maus hábitos. Depois, só temos de esperar. E uma vez que alguém tenha passado algum tempo a alimentar maus hábitos e a esperar, fica progressivamente diminuído. Muito daquilo que podia ter sido já se dissipou, e muito daquilo que se tornou é agora algo real. As coisas colapsam por si mesmas, mas os pecados dos homens aceleram a sua degeneração. E depois vem o dilúvio."

"Não estou a dizer que não há esperança na redenção. Mas é muito mais difícil puxar alguém de um abismo do que tirá-lo de uma vala. E alguns abismos são mesmo muito fundos. E quando chegamos ao fundo, já quase não resta nada do corpo que lá caiu.”


“Talvez devêssemos esperar antes de ajudar, até ser claro que essa pessoa quer ajuda. Carl Rogers, o famoso psicólogo, acreditava ser impossível uma relação terapêutica se a pessoa que procura ajudar não quiser melhorar. Rogers acreditava que era impossível convencer alguém a mudar para melhor. Em vez disso, o desejo de melhorar era uma pré-condição do progresso.”


 “… os exemplos são um desafio, e todos os heróis são um juiz.”


“Eis algo que deve considerar: se tem um amigo que não recomendaria a sua irmã, ao seu pai, irmão, filho, porque tem esse amigo?”


“A lealdade tem de ser negociada, justa e honesta. A amizade é um arranjo reciproco. Não estamos moralmente obrigados a apoiar alguém que está a fazer do mundo um lugar pior. Pelo contrário. Devemos escolher pessoas que querem que as coisas melhorem em vez de piorarem. É algo bom, e não fruto do egoísmo, escolher alguém que seja bom para nós.”


“Se nos rodeamos de pessoas que nos apoiam no caminho ascendente, elas não irão tolerar o nosso cinismo e destruição. Em vez disso, irão encorajar-nos a fazer o melhor para nós e para os ouros, e irão punir-nos cuidadosamente quando não o fizermos. Isso ajudará a reforçar a nossa vontade para fazermos o que devemos fazer, da forma mais apropriada e rigorosa.”


“Quando nos aventuramos a almejar o caminho ascendente, revelamos a insuficiência do presente e a promessa do futuro. Depois inquietamos os outros, nas profundezas das suas almas, onde podem compreender que o seu cinismo e imobilidade são injustificáveis. Fazemos o papel de Abel diante de Caim. Lembramos os outros que deixarem de se preocupar, não por causa dos horrores da vida, que são inequívocos, mas porque não querem carregar o mundo nos seus ombros, onde ele deve estar.”


“Não julgue que é mais fácil rodear-se de pessoas boas e saudáveis psicologicamente, do que estar acompanhado de pessoas más e perversas. Não é. Uma pessoa boa e saudável mentalmente é um ideal. É preciso força e arrojo para estarmos ao lado dessa pessoa. É preciso humildade e coragem. Temos de usar o nosso julgamento e protegermo-nos da compaixão e da piedade que são demasiado acríticas.”


Maio, 2020

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Regra 4 – Compare-se com aquilo que era ontem e não com o que os outros são hoje

Regra 4 – Compare-se com aquilo que era ontem e não com o que os outros são hoje


 “Cada um em seu campo, estes heróis locais tinham a oportunidade de desfrutar da confiança do vencedor alimentada pela serotonina. Pode ser essa a razão para que as pessoas que nasceram em lugares pequenos estão sobre representadas estatisticamente entre os mais bem-sucedidos. Se somos um num milhão, mas estamos na Nova Iorque atual, há pelo menos 20 iguais a nós – e a maioria das pessoas, agora, vive em grandes cidades. Mais: estamos digitalmente conectados aos sete mil milhões de habitantes do planeta. A nossa hierarquia das façanhas alcançadas é agora vertiginosamente vertical.”

“Não importa se somos muito bons nalguma coisa ou como avaliamos as nossas conquistas, há alguém que nos faz parecer incompetentes.”

 “Dentro de nós existe uma voz crítica que sabe tudo isto. E que está predisposta a fazer-se ouvir sonoramente. Uma voz que condena os nossos esforços medíocres. E com a qual pode ser muito doloroso discutir. Pior: críticos deste género são necessários. Não há falta de maus artistas, músicos desafinados, cozinheiros medíocres, gerentes burocráticos, romancistas fracos e professores aborrecidos.”

“O falhanço é o preço que pagamos para termos padrões de qualidade e, porque a mediocridade tem consequências reais e duras, os padrões são necessários.”

“Os padrões do que é bom ou mau não são ilusórios nem desnecessários. Se não achasse que aquilo que faz agora é melhor do que as alternativas, não o estaria a fazer.”

 “Para começar, não existe apenas um jogo no qual teremos sucesso ou iremos falhar. Há muitos jogos e, mais especificamente, muitos jogos bons – jogos que estão em sintonia com os nossos talentos, que nos tornam produtivos juntamente com outros, e que se sustentam, e até melhoram, ao longo do tempo.”

“Também é improvável que esteja a jogar apenas um jogo. Tem uma carreira, amigos, uma família, projetos pessoais, desafios artísticos e objetivos desportivos. Pode considerar o seu sucesso em todos os jogos.”

“Mas ganhar em tudo pode significar apenas que não está a fazer nada novo, ou difícil. Pode ganhar mas não está a crescer, e crescer pode ser a forma mais importante de ganhar. Deve uma vitória, no presentem ter sempre prioridade sobre a trajetória ao longo do tempo?”

“Por fim, pode vir a perceber que os pormenores dos seus jogos são tão únicos, para si, tão individuais, que compará-los com os outros é simplesmente inapropriado. Talvez esteja a sobrevalorizar aquilo que não tem e a subvalorizar o que tem. A gratidão é muito útil. Também é uma boa proteção contra os perigos da vitimização e do ressentimento.”

 “Quando a voz crítica nos rebaixa usando tais comparações, é assim que funciona: primeiro, escolhe um campo único e arbitrário de comparação (fama, talvez poder). Depois, age como se fosse o único campo relevante. Em seguida, estabelece um contraste desfavorável com alguém realmente genial nesse campo.”

“Quando somos muito jovens, não estamos informados. Não tivemos tempo nem ganhámos a sabedoria suficiente para desenvolver os nossos padrões. Como consequência, temos de comparar-nos aos outros, porque os padrões são necessários. Sem eles, não há onde ir, ou o que fazer. À medida que amadurecemos, tornamo-nos mais informados e singulares. As condições da nossa vida são cada vez mais pessoais, e menos fruto da comparação com os outros. Falando de forma simbólica, isto significa que temos de abandonar a casa dominada pelo pai e confrontar o caos do nosso próprio indivíduo.”

 “Os nossos olhos estão sempre a apontar para coisas das quais queremos aproximar-nos, coisas que procuramos ou queremos investigar ou possuir. Temos de ver, mas para ver, temos de fazer pontaria, de forma que estamos sempre a fazer pontaria a algo. As nossas mentes foram construídas na plataforma que são os nossos corpos de caçadores-recolectores. Caçar é especificar um alvo, segui-lo e disparar contra ele. Recolher é especificar algo e agarrá-lo.”

“Estamos, continua e simultaneamente no ponto A (que é menos desejável do que devia), em movimento para o ponto B (que achamos ser melhor, de acordo com os nossos valores explícitos e implícitos). Encontramos sempre o mundo num estado de insuficiência e procuramos a sua correção. Podemos imaginar novas formas de consertar e melhorar o que está errado, mesmo que tenhamos tudo o que julgamos desejar. Mesmo quando temporariamente satisfeitos, permanecemos curiosos. Vivemos com um quadro mental que define o agora como eternamente parco, e o futuro como eternamente melhor. Se não víssemos as coisas desta maneira, não podíamos agir. Nem sequer podíamos ver, porque para ver temos de focar, e para focar temos de escolher uma em vez das outras.”

“Eis uma dica. O futuro é como o passado. Contudo, há uma diferença crucial. O passado está estabelecido, mas o futuro pode ser melhor. E esse “melhor” pode ser medido – por exemplo, a quantidade conseguida, todos os dias, com um envolvimento mínimo. O presente é continuamente imperfeito. Mas o lugar de onde começamos pode não ser tão importante como a direção que escolhemos para avançar. Talvez a felicidade só se encontre na subida, e não na sensação fugaz de satisfação que nos espera no cume. Muita da felicidade é esperança, independentemente da profundidade do submundo em que a esperança é concebida.”

“Primeiro as coisas pequenas. Não vai querer carregar demasiado peso no início, tendo em conta os seus limitados talentos, a tendência para o engano, o fardo do ressentimento e a tendência para diminuir a responsabilidade. Dessa maneira, estabelece o seguinte objetivo: no final do dia, quero que as coisas na minha vida sejam um pouco melhores do que eram esta manhã. Depois, pergunta a si mesmo: “O que posso fazer, e que farei mesmo, para que isso aconteça, e que pequena coisa gostaria como recompensa?”. Depois, faça o que decidiu fazer, mesmo que o desempenho seja mau. Depois vá beber o tal café, triunfante. Talvez se sinta um pouco estupido ao fazê-lo, mas faça-o na mesma. E repita-o amanhã, e no dia seguinte, e no seguinte. E, a cada dia, a sua base de comparação fica um pouco mais alta, e isso é mágico. Isso são juros acumulados. Faça-o durante três anos, e a sua vida será inteiramente distinta. E agora almeja a algo mais elevado. As estrelas. Agora está a abrir os olhos, e aprende a ver. E aquilo que aspiramos determina o que vemos. Isto vale a pena repetir: E aquilo que aspiramos determina o que vemos.”

“A dependência da visão, relativamente àquilo que desejamos (e, como tal, relativamente ao valor – porque desejamos aquilo que valorizamos), foi demonstrada de uma forma inesquecível pelo psicólogo cognitivo Daniel Simons há mais de quinze anos. Simons estudava algo chamado “cegueira e desatenção continuadas”

“Como consequência, fazemos uma triagem quando vemos. Grande parte da nossa visão é periférica, e de baixa resolução. Reservamos a fóvea para coisas importantes. Usamos as nossas capacidades de alta resolução com poucas coisas específicas. E deixamos que o resto – que é quase tudo – desapareça sem ser notado, lá atrás.”

“É assim que lidamos com a avassaladora complexidade do mundo: ignoramo-la, enquanto nos concentramos minuciosamente nas nossas preocupações pessoais.”

“Se a sua vida não corre bem, talvez o seu conhecimento atual seja insuficiente, e não a vida em si. Talvez a sua estrutura de valores precise de ser reformulada. Talvez aquilo que ambiciona o esteja a cegar a tudo aquilo que podia ser. Talvez, no presente, esteja tão agarrado aos seus desejos que não consegue ver mais nada – mesmo aquilo que precisa.”

“Se começarmos a focar algo diferente – algo como “quero que a minha vida seja melhor” – as nossas mentes irão começar a apresentar-nos novas informações resultantes do mundo previamente escondido, de forma a ajudar-nos nessa missão. Depois, podemos usar essas informações e agir, observar e melhorar. E, depois de o fazer, depois de melhorar, talvez possamos perseguir algo diferente, ou mais elevado – algo como “quero uma coisa melhor do que ter uma vida melhor”. E, então, entramos numa realidade mais elevada e completa.”

 “É preciso uma observação cuidadosa, e educação, e reflexão, e comunicar com os outros, para ir além da superfície das nossas crenças. Tudo o que valorizamos é produto de processos de desenvolvimento inimaginavelmente longos, pessoais, culturais e biológicos. Não sabemos que aquilo que queremos – e, como tal, o que vemos – está condicionado pelo passado imenso, abismal e profundo. Não compreendemos como é que os circuitos neurológicos com que espreitamos o mundo foram moldados (e dolorosamente) pelos objetivos éticos, com milhões de anos, dos antepassados dos humanos e de toda a vida nos milhares de milhões de anos antes disso.”

 “Imagine que repara, contempla e reconsidera a sua felicidade. Mais: está determinado a aceitar a responsabilidade por isso, e arrisca-se a supor que pode ser algo, pelo menos em parte, sob o seu controlo. Abre um olho, por um momento, e olha. Pede algo melhor. Sacrifica a sua mesquinhez, arrepende-se da inveja e abre o coração. Em vez de amaldiçoar a escuridão, deixa entrar um pouco de luz. Decide focar-se numa vida melhor – em vez de um cargo melhor.”

“Mas não se fica por aí. Percebe que é um erro focar-se numa vida melhor se isso implica que a vida de outra pessoa piore. Por isso, decide ser criativo. Decide-se por um jogo mais difícil. Decide que quer uma vida melhor, que também torne melhor a vida da sua família. Ou da sua família e amigos. Ou da sua família, de amigos e dos estranhos que o rodeiam. E que tal os seus inimigos? Por certo não sabe como lidar com isso. Mas já leu uns livros de História. Sabe o que implica a inimizade. Como tal, começa a desejar o bem até para os seus inimigos, pelo menos em princípio, embora não seja ainda, de forma alguma, um mestre desses sentimentos.”

“E a direção da sua visão muda. Vê além das limitações que o prendiam sem que soubesse. Emergem novas possibilidades para a sua vida, e trabalha para que se tornem reais. De facto, a sua vida melhora.”

“Quer dizer: melhor hoje, de maneira a que tudo também possa ser melhor amanhã, e na próxima semana, e no ano seguinte e dentro de uma década e de um século. E daqui a mil anos. E para sempre”

 “Preste atenção. Concentre-se naquilo que o rodeia, física e psicologicamente. Repare em algo que o incomoda, que o preocupa, que não o deixa ser o que quer, algo que podia consertar, que consertaria, se pudesse. Pode encontrar essas coisas (como se verdadeiramente quisesse saber) fazendo três perguntas: “O que me está a incomodar?”, “É algo que eu podia consertar?” e “Estarei realmente disposto a consertá-lo?”. Se descobrir que a resposta é “não” a todas essas questões, então, procure noutro lugar. Faça pontaria mais abaixo. Procure até encontrar algo que o incomode, que possa e que queira consertar. Isso pode ser suficiente por um dia.”

“A compreensão nasce, em vez da tirania. E, assim, prestamos atenção. Estamos a dizer a verdade, em vez de manipular o mundo. Estamos a negociar, em vez de fazer o papel do mártir ou do tirano. Já não temos de ser invejosos, porque já não sabemos se alguém tem verdadeiramente uma vida melhor. Já não temos de ficar frustrados, porque aprendemos a apontar mais para baixo, a ser pacientes. Estamos a descobrir quem somos, e o que queremos, e aquilo que estamos dispostos a fazer. Descobrimos que as soluções para os nossos problemas particulares têm de ser feitas à medida, pessoais e precisas. Estamos menos preocupados com as ações dos outros, porque temos bastante que fazer.”

“Lide com o dia de hoje, mas aponte ao Bem Maior.”

“Viajar com felicidade até pode ser melhor do que chegar com sucesso ao destino.”


Maio, 2020

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Regra 5 – Não deixe os seus filhos fazerem coisas que o levem a não gostar deles

Regra 5 – Não deixe os seus filhos fazerem coisas que o levem a não gostar deles


“Pais mais atenciosos não deixariam que alguém com quem se preocupam verdadeiramente fosse objeto do desprezo da multidão.”

“O desejo dos pais de deixarem o filho seguir os seus impulsos sem o castigar gerou precisamente o efeito oposto: privaram-no da oportunidade de levar a cabo uma ação independente.”

 “Também já vi pais incapazes de manter uma conversa entre adultos num jantar, porque os seus filhos, com quatro ou cinco anos, dominavam a cena social, comendo o miolo do pão e deixando as côdeas para os outros, sujeitado toda a gente à sua tirania infantil, enquanto o papá e a mamã observavam, envergonhados e desprovidos da capacidade de intervir.”

“Essas preocupações quotidianas são insidiosas. O facto de ocorrerem de forma habitual e previsível faz com que pareçam triviais. Mas essa aparência trivial é enganadora: são as coisas que acontecem todos os dias que verdadeiramente constituem as nossas vidas, e o tempo passado a fazer a mesma coisa, uma e outra vez, vai crescendo a um ritmo alarmante.”

“Independentemente das nossas boas intenções, por mais doce e tolerante que seja o nosso temperamento, não iremos manter boas relações com alguém com quem estamos em conflito durante todo esse tempo. Inevitavelmente, o ressentimento irá surgir. E mesmo que isso não aconteça, todo aquele tempo desagradável e desperdiçado podia certamente ter sido usado numa atividade mais produtiva, útil e menos aflitiva, mais agradável.”

 “A beleza, a abertura, a alegria, a confiança e a capacidade para amar, que caracterizam as crianças, fazem com que seja fácil atribuir a totalidade da culpa aos adultos.”

“Também não é bom considerar que toda a corrupção humana é culpa da sociedade. Essa conclusão apenas muda o problema de lugar. Não explica nada, e não resolve os problemas. Se a sociedade é corrupta, mas não os indivíduos que a constituem, então, onde começou a corrupção? Como se propagou?”

 “Diz-se que todas as pessoas são seguidoras conscientes ou inconscientes de algum filósofo importante. A crença de que as crianças têm um espírito intrinsecamente puro, danificado apenas pela cultura e pela sociedade, resulta, em grande parte, do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, do século XVIII. Rousseau era um crente fervoroso da influência corruptora da sociedade humana e da propriedade privada. Alegou que nada era tão gentil e maravilhoso como o homem no seu estado pré-civilização. Nesse preciso momento, notando a sua inabilidade como pai, Rousseau abandonou cinco dos seus filhos à misericórdia, tantas vezes fatal, dos orfanatos da época.”

“Mas os seres humanos são maus, assim como são bons, e a escuridão que reside nas nossas almas também está presente nos mais jovens. Em geral, as pessoas melhoram com a idade, em vez de piorar, tornando-se mais gentis, mais conscienciosas e emocionalmente mais estáveis à medida que amadurecem. O acosso e a violência do pátio da escola raramente se manifestam na sociedade adulta. O livro sombrio e anarquista O Deus das Moscas, de William Golding, é um clássico por alguma razão.”

“Porque as crianças, como outros seres humanos, não são apenas boas, não podem simplesmente ser deixada à própria sorte, intocadas pela sociedade e florescendo na perfeição. Até os cães devem ser socializados para se tornarem membros da matilha. As crianças são muito mais complexas do que os cães. Isto significa que têm muito mais propensão para descarrilarem caso não sejam treinadas, disciplinadas e devidamente encorajadas. Ou seja, é errado atribuir todas as tendências violentas dos seres humanos às patologias da estrutura social. O processo vital de socialização impede muitos danos e promove o bem. As crianças devem ser formadas e informadas, em caso contrário, não podem prosperar. Este facto reflete-se de forma clara no seu comportamento: as crianças estão desesperadas pela atenção dos colegas e dos adultos, porque essa atenção, que as transforma em elementos capazes e sofisticados da comunidade, é vitalmente necessária.”

“Se não lhes for prestada uma atenção cuidadosa, as crianças podem ser tão danificadas como o são por abuso, mental ou físico. Esse será um dano por omissão – em vez de intenção – mas não é menos grave ou duradouro. As crianças são danificadas quando os pais, “misericordiosamente” desatentos, não as ajudam a ser atentas, vigilantes e observadoras, deixando-as num estado inconsciente e indiferenciado. As crianças são danificadas quando os responsáveis pelo se cuidado, com medo de qualquer conflito ou perturbação, já não se atrevem a corrigi-las e deixam-nas sem orientação. Posso reconhecer essas crianças na rua.”

 “Mas, na maioria das vezes, os pais modernos ficam simplesmente paralisados pelo medo de não serem mais apreciados, ou até mesmo amados, pelos filhos caso os castiguem por qualquer razão. Acima de tudo, os pais querem a amizade dos filhos e estão dispostos a sacrificar o respeito para obtê-la. Isso não é bom. Uma criança pode ter muitos amigos, mas apenas dois pais – se tanto -, e os pais são bem mas importantes do que os amigos. Os amigos têm uma autoridade muito limitada para corrigir a criança. Todos os pais, portanto, precisam de aprender a tolerar a raiva momentânea, ou mesmo o ódio, que os filhos lhes dirigem após uma ação corretiva necessária, porque a capacidade das crianças para perceber – ou se importar com – as consequências a longo prazo é muito limitada. Os pais são os árbitros da sociedade. São eles quem ensina as crianças a comportarem-se, de forma a que outras pessoas possam interagir com elas de maneira significativa e produtiva.”

 “Os pais contemporâneos têm medo de duas palavras frequentemente interligadas: disciplinar e castigar, porque evocam imagens de prisões, soldados e botas de cano alto. A diferença entre disciplinador e tirano, ou punição e tortura é, de facto, muito pequena. Disciplina e castigo são coisas para manusear com prudência. Mas ambas são necessárias. Podem ser aplicadas inconsciente ou conscientemente, mal ou bem, mas não há como escapar ao seu uso.”

“Não é que seja impossível disciplinar com uma recompensa. De facto, recompensar um bom comportamento pode ser muito eficaz. O mais famoso de todos os psicólogos comportamentais, B. F. Skinner, era um grande defensor dessa abordagem, e especialista na matéria. Ensinava pombos a jogar pingue-pongue, embora os pássaros só fizessem a bola rodar para trás ou para a frente com os bicos.”

“Skinner observou como os animais que treinava realizavam tais feitos com uma diligência excecional. Qualquer ação dos pássaros que se aproximasse do que ele pretendia era imediatamente seguida de uma recompensa equilibrada: nem tão pequena que parecesse inconsequente, nem tão grande que desvalorizasse futuras recompensas.”

“Com essa abordagem, pode ensinar praticamente qualquer coisa a qualquer pessoa. Primeiro, descubra o que quer. Então, observe as pessoas em seu redor como se fosse um falcão. Por fim, sempre que vir algo parecido com aquilo que quer, vá adiante (um falcão, lembre-se) e ofereça uma recompensa.”

“Skinner, no entanto, era realista. Observou que o uso da recompensa era muito difícil: o observador tinha de esperar pacientemente até que o alvo manifestasse espontaneamente o comportamento desejado, e depois tinha de reforçar esse comportamento positivamente, o que exigia muito tempo e muita espera, e isso é um problema.”

“As emoções negativas, assim como as positivas, ajudam-nos a aprender.”

“Emoções, positivas e negativas, apresentam duas variantes diferenciadas. A satisfação (tecnicamente, saciedade) diz-nos que aquilo que fizemos foi bom, enquanto que a esperança (tecnicamente, a recompensa incentivadora) indica que algo prazenteiro está a caminho. A dor magoa-nos, por isso não repetimos ações que causaram danos pessoais ou isolamento social (a solidão também é, tecnicamente, uma forma de dor). A ansiedade faz-nos ficar longe das pessoas e dos lugares prejudiciais, a fim de não sentirmos dor. Todas essas emoções devem ser equilibradas entre si e cuidadosamente consideradas no seu contexto, mas todas são necessárias para nos mantermos vivos e prosperar. Portanto, prestamos um mau serviço aos nossos filhos quando não usamos o que temos para os ajudar a aprender, inclusivamente as emoções negativas, ainda que essa ajuda deva acontecer da forma mais misericordiosa possível.”

“Diante disso, a questão moral não é como proteger completamente as crianças das desventuras e dos fracassos, de modo a que nunca sintam medo ou dor, mas como maximizar a sua aprendizagem para que o conhecimento útil seja obtido com custo mínimo.”

“No filme da Disney, A Bela Adormecida, o rei e a rainha, depois de muito esperarem por uma gravidez, têm uma filha, a princesa Aurora. Organizam uma grande festa de batizado para a apresentar ao mundo. Recebem aqueles que amam e, assim, honram a filha. Mas não convidam Malévola (maliciosa, ruim), que é a Rainha do Submundo, ou a Natureza no seu disfarce negativo. Isto significa, simbolicamente, que os dois monarcas estão a proteger demasiado a filha amada, estabelecendo um mundo em seu redor que não tem nada de negativo. Mas isso não a protege, pelo contrário, deixa-a fraca.”

“É nesse momento que a maldição de Malévola se manifesta. Abre-se um portal no castelo, uma roda de fiar aparece e Aurora pica o dedo e cai, inconscientemente. Torna-se a Bela Adormecida. Ao fazê-lo (simbolicamente falando), escolhe a inconsciência em vez do terror da vida adulta. Algo existencialmente semelhante ocorre com muita frequência em crianças superprotegidas, que podem colapsar – e aí desejam a felicidade da inconsciência – após o primeiro contacto real com o fracasso ou, pior, com a maldade genuína – algo que elas compreendem ou não, mas para o qual não têm defesa.”

 “Eis uma ideia inicial simples: as regras não devem ser multiplicadas além da necessidade. Ou seja, as más leis eliminam o respeito pelas boas leis. Esse é o equivalente ético – até mesmo legal - da Navalha de Occam, a guilhotina concetual do cientista, que afirma que a hipótese mais simples é também a preferível.”

“Limite as regras. Descubra o que fazer quando uma delas é desrespeitada.”

“Um único princípio, brilhantemente prático, pode ser usado para ponderar todas estas reações progressivamente mais graves: use a força mínima necessária.”

“Então, agora temos dois princípios gerais da disciplina. O primeiro: limite as regras. O segundo: use a força mínima necessária para aplicar essas regras.”

“Sobre o segundo princípio, igualmente importante, a sua pergunta pode ser: “Qua é a força mínima necessária?” Isso deve ser estabelecido de forma experimental, começando pela menor intervenção possível.”

“Observar as pessoas a reagir às crianças restaura a nossa fé na natureza humana. Tudo isso é multiplicado quando os filhos se portam bem em público. Para garantir que tais coisas aconteçam, tem de discipliná-los com cuidado e eficácia – e, para fazer isso, tem de saber algo sobre recompensa e punição, em vez de fugir do conhecimento.”

 “… os pais devem reconhecer as suas capacidades para serem duros, vingativos, arrogantes, ressentidos, raivosos e manhosos. Muito poucas pessoas decidem conscientemente fazer um trabalho terrível como pais, mas a má paternidade acontece com demasiada frequência. Isso ocorre porque as pessoas têm uma grande capacidade para o mal, tal como para o bem – e porque, voluntariamente, decidem não reconhecer esse facto. As pessoas são agressivas e egoístas, bem como gentis e atenciosas. Por essa razão, nenhum ser humano adulto – nenhum macaco hierárquico e predador – pode realmente tolerar ser dominado por uma criança. A vingança chegará mais tarde ou mais cedo.”

“Os pais têm o dever de agir como representantes dos filhos no mundo real – representantes misericordiosos, atenciosos, mas sempre representantes.”

“Esse é o dever primordial dos pais: tornar os filhos socialmente desejáveis, o que proporcionará à criança oportunidades, autoestima e segurança.”

 “Uma criança de três anos, adequadamente socializada, mostra boa educação e envolvimento com os outros. Também não deixa que os outros a tratem mal. Desperta o interesse das outras crianças e apreciação dos adultos. Existe num mundo onde as restantes crianças a aceitam, competem pela sua atenção, e onde os adultos ficam realmente felizes por vê-la, em vez de fingirem sorrisos. A criança será apresentada ao mundo por pessoas que têm prazer em fazê-lo. E isso fará mais pela construção da sua individualidade do que qualquer tentativa parental que procure, cobardemente, evitar os conflitos e a aplicação da disciplina do dia a dia.”

“Afinal, a verdade é que ama os seus filhos. Mas se os atos dos seus filhos fazem com que não goste deles, pense no efeito que esses atos terão nas outras pessoas – pessoas que não se preocupam tanto como um pai e uma mãe. Essas pessoas irão puni-los severamente por omissão ou ativamente.”


Maio, 2020

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Regra 6 – Ponha a sua casa em ordem antes de criticar o mundo

Regra 6 – Ponha a sua casa em ordem antes de criticar o mundo


 “A vida é, de facto, muito difícil. Todos estamos destinados à dor e à destruição. Às vezes, o sofrimento é claramente o resultado de uma falha pessoal, uma cegueira voluntária, uma escolha malfeita ou um ato maldoso.”

“Se aqueles que sofrem desnecessariamente mudam o seu comportamento, então, as suas vidas devem evoluir de forma menos trágica. Mas o controlo humano é limitado. A vulnerabilidade ao desespero, à doença, ao envelhecimento e à morte é algo universal.”

“E não é apenas o sofrimento evidente que exige que culpemos alguém ou alfo pelo estado intolerável do nosso Ser. No auge da fama, influência e poder criativo, o imponente Lev Tolstoi começou a questionar o valor da existência humana,”

A angústia, seja psíquica, física ou intelectual, não precisa, de modo algum, de produzir o niilismo (isto é, uma rejeição radical do valor, do significado e do desejo). A angústia permite uma variedade de interpretações.” (Nietzche)

“O que quis dizer: as pessoas que experimentam o mal podem certamente desejar perpetuá-lo, levá-lo adiante. Mas também é possível aprender o bem experimentando o mal.”

“O desejo de vingança, por mais justificado que seja, impede o caminho para outros pensamentos produtivos. O poeta T. S. Eliot explicou isso mesmo na sua peça The Cocktail Party. Uma das personagens não está a divertir-se. Fala com um psiquiatra sobre a sua profunda infelicidade. Diz que só se pode culpar a si mesma por todo o sofrimento que sente. O psiquiatra fica surpreendido. Pergunta porquê. Ela pensou muito sobre isso, diz, e chegou à seguinte conclusão: se a culpa é sua, então, pode fazer algo a seu respeito. No entanto, se a culpa é de Deus – se a própria realidade é defeituosa, e está determinada em garantir a miséria - , então, a paciente está condenada. Ela não podia mudar a estrutura da realidade. Mas talvez pudesse mudar a sua própria vida.”

“Aleksandr Sljenítsin tinha todos os motivos para questionar a estrutura da existência quando foi enviado para um campo de trabalho soviético, a meio do terrível século XX, serviu como soldado nas mal preparadas linhas de frente russas durante a invasão nazi. Foi preso, espancado e posto na cadeia pelo seu próprio povo. Depois, teve um cancro. Podia ter ficado ressentido e amargo. A vida tornara-se miserável por causa de Estaline e de Hitler, dois dos piores tiranos da História. Viveu em condições brutais. Grandes períodos do seu precioso tempo foram roubados e desperdiçados. Testemunhou o sofrimento e a morte sem sentido, degradante, dos seus amigos e conhecidos. E contraiu uma doença extremamente grave. Soljenítsin tinha motivos para amaldiçoar Deus. Nem Jó teve um trabalho tão difícil.”

“Mas o grande escritor, o grande e vigoroso defensor da verdade, não permitiu que a sua mente fosse tomada pela vingança e pela destruição. Em vez disso, abriu os olhos. Durante todas essas provações, Soljenítsin encontrou pessoas que se comportavam nobremente, mesmo sob circunstâncias horríveis.”

“Então, fez a pergunta mais difícil: teria ele, pessoalmente, contribuído para a catástrofe da sua vida? Se sim, como? E lembrou-se do apoio inquestionável que dera ao Partido Comunista nos primeiros anos do Regime.”

“Desmontou-se, peça por peça, deixou morrer o desnecessário e o prejudicial, ressuscitou. Então, escreveu O Arquipélago Gulag, uma história sobre o sistema de campos de prisioneiros soviéticos. É um livro terrível e energético, escrito com a esmagadora força moral da verdade, sem panos quentes.”

“Porque um só homem decidiu mudar a sua vida, em vez de amaldiçoar o destino, todo o sistema patológico da tirania comunista foi abalado. Menos de duas décadas depois, o comunismo desmoronou completamente, e a coragem de Soljenítsin contribuiu para que tal acontecesse. Mas não foi o único a perceber esse milagre. Václav Havel, o autor perseguido que mais tarde se tornaria presidente da Checoslováquia, e depois da nova República Checa, é outro exemplo, assim como o é Mahatma Gandhi.”

 “A vida é assim. Construímos estruturas para viver. Construímos famílias, Estados e países. Identificamos os princípios sobre os quais essas estruturas são fundadas, e formulamos sistemas de crença.”

“Mas o sucesso faz-nos complacentes. Deixamos de prestar atenção. Achamos que tudo está garantido. Fechamos os olhos. Não percebemos que as coisas mudam e qua corrupção cria raízes. E tudo desmorona.”

“Um furacão é um ato de Deus. Mas a falta de preparação, quando a necessidade dessa preparação é bem conhecida, é pecado. É ficar aquém.”

“Os antigos judeus culpavam-se sempre quando as coisas colapsavam.”

“A alternativa é julgar a realidade como insuficiente, criticar o próprio Ser e mergulhar no ressentimento e no desejo de vingança. Sim, estamos a sofrer, mas essa é a norma. As pessoas são limitadas e a vida é trágica.”

 “Considere as suas circunstâncias. Comece com pouco. Aproveitou ao máximo as oportunidades que lhe foram oferecidas? Trabalha arduamente pata ter uma carreira, ou deixa que a amargura e o ressentimento o arrastem para o fundo? Já fez as pazes com o seu irmão? Trata o seu cônjuge e filhos com dignidade e respeito? Tem hábitos que estão a destruir a sua saúde e bem-estar? Assume realmente as suas responsabilidades? Já disse o que precisa de dizer aos seus amigos e familiares? Há algo que podia fazer, que sabe que podia fazer, e que tornariam as coisas melhores à sua volta?”

“Se a resposta é não, eis algo que pode tentar: pare de fazer o que sabe que está errado. Comece hoje.”

“O ser pode dizer-nos algo que não conseguimos explicar nem articular. Todas as pessoas são demasiado complexas para se conhecerem completamente, e todos temos algum tipo de sabedoria que não podemos compreender.”

“Pare de agir dessa maneira desprezível. Pare de dizer coisas que o enfraquecem e o envergonham. Diga apenas as coisas que o fortalecem. Faça apenas as coisas das quais pode falar com honra.”

“Use os seus próprios padrões de julgamento.”

“Depois de alguns meses e anos de esforço diligente, a sua vida irá tornar-se mais simples, menos complicada. O seu julgamento vai melhorar.”

“Talvez a sua alma não corrompida veja então a existência como um bem genuíno, como algo a celebrar. Apesar da nossa vulnerabilidade. Talvez se torne uma força cada vez mais poderosa a favor da paz e de tudo o que seja bom.”

“Então, talvez veja que, se todas as pessoas fizessem isso com as suas vidas, o mundo podia deixar de ser um lugar maligno. Depois, com um esforço contínuo, talvez até deixasse de ser um lugar trágico. Quem sabe como seria a existência se todos decidíssemos lutar pelo melhor?”


Maio, 2020

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Regra 7 – Procure alcançar aquilo que tem sentido (e não o que lhe dá jeito)

Regra 7 – Procure alcançar aquilo que tem sentido (e não o que lhe dá jeito)

 

“A vida é sofrimento. Isso está claro. Não há verdade mais básica e irrefutável.”

“O prazer do que nos convém pode ser passageiro, mas é um prazer, e serve para combater o terror e a dor da existência.”

“Porque não, simplesmente, agarrar em tudo o que puder, sempre que surgir oportunidade? Porque não viver dessa maneira?”

“Ou há outra alternativa, mais poderosa e atraente?”

“O nosso conhecimento foi moldado pela interação com os outros. Estabelecemos rotinas e padrões previsíveis de comportamento, mas não entendemos nem sabemos qual a sua origem. Evoluíram durante longos períodos. Ninguém os formulava explicitamente (pelo menos não o faziam nos períodos mais obscuros do passado), embora, desde sempre, tenhamos dito uns aos outros como agir. Um dia, no entanto, não há muito tempo, acordámos. Começámos a perceber o que fazíamos. Começámos a usar os nossos corpos como dispositivos para representar as nossas ações. Começámos a imitar e a dramatizar. Inventámos o ritual. Começámos a representar as nossas próprias experiências. Então, começámos a contar histórias. Codificámos as observações relativas ao nosso próprio drama nessas histórias. Dessa maneira, as informações incorporadas primeiramente no nosso comportamento, foram representadas nessas histórias. Mas não nos demos conta, e ainda hoje não entendemos o que tudo isso significa.”

 “Enquanto praticantes do sacrifício, os nossos antepassados começaram a representar aquilo que, caso fosse articulado com palavras, seria considerado uma proposição: algo melhor pode ser alcançado no futuro se abdicarmos de algo com valor no presente.”

“Visto de uma forma mais prosaica, o tal sacrifício – o trabalho – é o adiantamento da gratificação, mas essa é uma frase muito mundana para descrever algo com um significado avassalador. A descoberta de que a gratificação pode ser adiada é, simultaneamente, a descoberta do tempo e, com isso, da causalidade (pelo menos a força causal da ação humana e voluntária). Há muito tempo, num passado obscuro, começámos a perceber que a realidade estava estruturada como se pudéssemos negociar com ela. Aprendemos que, se nos comportarmos adequadamente agora, no presente – regulando os nossos impulsos, considerando o sofrimento dos outros -, isso poderia trazer recompensas no futuro, num tempo e num lugar que ainda não existem. Começámos a inibir, a controlar e a organizar os nossos impulsos imediatos, para que parássemos de interferir com a vida de outras pessoas e com o nosso eu do futuro. Isso é o mesmo que dizer organização da sociedade: a descoberta da relação causal entre os nossos esforços no presente e a possível qualidade do futuro motivou o contrato social – a organização que permite que o trabalho de hoje seja armazenado de forma segura (sobretudo na forma de promessas dos outros).”

“Com a morte de um grande animal, e depois de saciarem a fome, há comida para vários dias após a matança. No início, isso é apenas acidental - mas, eventualmente, a utilidade do “para mais tarde” começa a ser apreciada. Alguma noção de sacrifício desenvolve-se: “Se deixar alguma comida para mais tarde, mesmo que a queira agora, não terei de passar fome depois.” Essa noção provisória avança para o próximo nível (“Se deixar alguma comida para mais tarde não preciso de passar fome, nem aqueles de quem gosto”) e depois para o nível seguinte (“Não posso comer este mamute todo, mas também não posso guardar os restos por muito tempo. Talvez possa dar de comer a algumas pessoas, e talvez elas se lembrem de mim e me alimentem com um pouco do seu mamute quando eu não tiver comida. Então, como um pouco do mamute agora, e um pouco mais tarde. Um bom negócio. E talvez aqueles com quem partilho a comida venham a confiar mais em mim. Talvez, então, possamos colaborar para sempre”). Dessa maneira, “mamute” passa a “mamute futuro”, e “mamute futuro” passa a “reputação pessoal”. Assim surge o contrato social.”

“Partilhar não significa dar algo que valorizamos e não receber nada em troca. Isso é o que acham todas as crianças que se recusam a partilhar. Partilhar meios apropriadamente significa estabelecer um comércio.”

“É melhor ter alguma coisa do que não ter nada. Melhor ainda é partilhar generosamente o que temos. É ainda melhor, no entanto, sermos amplamente conhecidos pela nossa generosidade. É algo que perdura.”

 “A tragédia do ser autoconsciente produz sofrimento, e este é inevitável. Esse sofrimento, por sua vez, motiva o desejo de gratificação imediata e egoísta – aquilo que é conveniente. Mas, para manter o sofrimento sob controlo, o sacrifício e o trabalho são muito mais eficazes do que o prazer impulsivo de curto prazo.”

 “Descartes procurava a base fundamental, sobre a qual o Ser correto seria estabelecido. Encontrou essa base no “eu” que pensa – o “eu” que está consciente, exemplificado no famoso axioma cogito ergo sum (penso, logo existo). Mas esse “eu” foi concetualizado muito antes. Milhares de anos antes, o “eu” consciente era o olho de Hórus que tudo via, o grande deus egípcio, filho-e-sol, que renovava o Estado ao confrontá-lo com a sua inevitável corrupção. Antes, foi o criador-deus Marduk, dos mesopotâmios, que tinha olhos à volta de toda a cabeça, e que dizia palavras mágicas capazes de criar o mundo. Durante a época cristã, o “eu” transformou-se o Logos, a Palavra, que traz a ordem ao Ser no começo dos Tempos. Pode dizer-se que Descartes apenas secularizou o Logos, transformando-o mais explicitamente em “aquilo que é consciente e pensa”. Esse é o “eu” moderno.”

“Podemos criar representações abstratas sobre modos potenciais do Ser. Podemos criar uma ideia no teatro da imaginação. Podemos testá-la em oposição a outras ideias – nossas, dos outros, do próprio mundo. Se ficarmos aquém, podemos, segundo Popper, deixar que as nossas ideias morram em vez de nós.”

“A ideia não é um mesmo que um facto. Um facto está morto, enquanto a ideia “agarra” a atenção de uma pessoa, está viva. Quer expressar-se, viver no mundo.”

“É por essa razão que os psicólogos da profundida – entre eles Freud e Jung – insistem que a psique humana é um campo de batalha das ideias. Uma ideia tem um objetivo. Quer algo. Afirma uma estrutura de valores. Uma ideia acredita que aquilo que almeja é melhor do que aquilo que tem agora. Reduz o mundo às coisas que ajudam, ou que impedem, a sua realização, e reduz tudo o resto à irrelevância.”

“Isso quer dizer que o futuro pode ser melhor caso os sacrifícios apropriados aconteçam no presente. Nenhum outro animal jamais descobriu isto; e nós precisámos de centenas de milhares de anos para o conseguir.”

 “A conveniência é aquilo que se segue ao impulso cego. É um ganho a curto prazo.”

“Mas o significado é o seu substituto. O significado surge quando os impulsos são regulados, organizados e unificados. O significado surge da interação entre as possibilidades do mundo e a estrutura de valores que opera dentro desse mundo. Se a estrutura de valores está orientada para a melhoria do Ser, o significado será a manutenção da vida, que fornecerá o antídoto para o caos e o sofrimento. Isso torna tudo importante. Isso dará tudo melhor.”

“Se agir corretamente, as suas ações permitem que seja psicologicamente integrado agora, amanhã e no futuro, ao mesmo tempo que se beneficia a si, à sua família e ao mundo mais amplo em seu redor.”

“O significado supera o que é conveniente. O significado gratifica todos os impulsos, agora e para sempre.”

“O que é conveniente é aquilo que esconde todos os esqueletos no armário. É o que cobre o sangue derramado no tapete. É aquilo que evita a responsabilidade.”

“É errado porque a mera conveniência, multiplicada por muitas repetições, produz o carácter de um demónio.”

“Ter um significado na vida é melhor do que termos aquilo que queremos, porque podemos nem saber o que queremos, nem o que realmente precisamos.”

“Significado quer dizer que estamos no lugar certo, na hora certa, devidamente equilibrados entre a ordem e o caos, no sítio onde tudo se alinha da melhor maneira possível naquele momento.”

“É o Hino da Alegria, de Beethoven, algo triunfante, que surge do nada, padrão após padrão, cada instrumento desempenhando o seu papel e as vozes disciplinadas abrangendo toda a amplitude da emoção humana, do desespero à alegria.”

“O significado é aquilo que se manifesta quando os variados níveis do Ser se organizam numa harmonia perfeitamente funcional, desde o microcosmo atómico até ao órgão, passando pela individualidade, pela sociedade, pela natureza e pelo cosmos, de modo a que a ação, em cada nível, facilite, de forma perfeita e bela, a própria ação – de forma a que o passado, o presente e o futuro sejam redimidos e reconciliados.”

“O significado acontece quando essa dança se torna tão intensa que todos os horrores do passado, toda a luta terrível da humanidade, se tornam uma parte necessária e valiosa para a tentativa, cada vez mais bem-sucedida, de construir algo verdadeiramente Poderoso e Bom.”

“O significado é o equilíbrio final entre o caos da transformação e da possibilidade, e a disciplina da ordem primitiva, cuja finalidade é produzir uma nova ordem a partir o caos, e que será ainda mais imaculada, e capaz de criar um caos e uma ordem ainda mais equilibrada e produtiva.”


Maio, 2020

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Regra 8 – Diga a verdade – ou, pelo menos, não minta

Regra 8 – Diga a verdade – ou, pelo menos, não minta

 

 “Dividi-me em duas partes: uma que falava e uma, a mais destacada, que prestava atenção e que julgava. Percebi que quase tudo o que dizia era falso. Tinha motivos para dizer essas coisas: queria ganhar discussões e estatuto, impressionar as pessoas e conseguir o que queria. Estava a usar a linguagem para manipular o mundo, tentando que o mundo me desse o que eu achava necessário. Mas eu era uma farsa. Ao dar-me conta disso, comecei a tentar dizer apenas coisas às quais a voz interior não se oporia. Comecei a dizer a verdade – ou, pelo menos, não mentia. Aprendi que tal competência era muito útil quando não sabia o que fazer. O que devemos fazer quando não sabemos o que fazer? Dizer a verdade.”

 “Libertei-me por completo das motivações de domínio, típicas dos primatas, e da superioridade moral. Disse-lhe, tão direta e cuidadosamente como consegui, que não. Não estava a brincar. Naquele momento, não era um jovem educado, anglófono e afortunado. E ele não era um motociclista do Quebeque, ex-presidiário, com um excecional nível de álcool no sangue. Não, eramos dois homens, com boa vontade, que tentavam ajudar-se um ao outro, participando nessa incumbência de tentar fazer a coisa certa.”

“Procurava – isso eu sabia – qualquer microexpressão que revelasse sarcasmo, engano, desprezo ou satisfação. Mas eu pensara muito nisso, e só disse o que realmente queria dizer. Escolhi as minhas palavras com cuidado, atravessando um pântano traiçoeiro, procurando pisar o caminho de pedras parcialmente submerso.”

“Escolher o caminho mais fácil ou dizer a verdade – essas não são apenas duas escolhas diferentes; são caminhos distintos ao longo da vida. São maneiras completamente opostas de existir.”

 “Pode usar as palavras para manipular o mundo de forma a que receba aquilo que quer. Isso é o que significa “agir politicamente”.”

“Viver dessa maneira é como ser possuído por algum desejo inquinado, é elaborar o discurso e a ação de uma maneira que parece provável e racional, mas que só pretende atingir os objetivos individuais, que podem incluir “impor as minhas crenças ideológicas”, provar que estou (ou estava) certo”, “parecer competente”, “subir na hierarquia”, “evitar responsabilidade” (ou “aproveitar-me do crédito das ações dos outros”), “para ser promovido”, “para atrair a maior parte da atenção”, “para garantir que todos gostem de mim”, “para obter os benefícios do martírio”, “para justificar o meu cinismo”, “para racionalizar z minha perspetiva antissocial”, “para minimizar o conflito imediato”, “para mantes a minha ingenuidade”, “para capitalizar a minha vulnerabilidade”, “para aparecer sempre como o santo”, ou (esta é particularmente má) “para garantir que é sempre culpa da criança não amada”. Esses são todos exemplos que o compatriota de Sigmund Freud, o psicólogo austríaco Alfred Adler, apelidou de “mentiras da vida”.

“Caso se traia a si próprio, caso diga coisas falsas e minta, irá enfraquecer o seu caráter. Se tem um caráter fraco, então a adversidade irá inevitavelmente derrubá-lo. Vai tentar esconder-se dela, mas não haverá onde se esconder.”

“Apenas a filosofia mais cínica e desesperada insiste que a realidade podia ser melhorada através da falsidade. Tal filosofia julga o Ser e o seu melhoramento, considerando ambos defeituosos. Denuncia a verdade como insuficiente e o homem honesto como iludido. É uma filosofia que tanto sustenta a corrupção endémica do mundo como a justifica.”

“Com amor, encorajamento e o caráter intacto, um ser humano pode ser resiliente muito além do que imaginamos. O que não pode ser suportado, no entanto, é a ruína absoluta produzida pela tragédia e pelo engano.”

“É aí que vivem aqueles que mentem muito através de palavras e atos – no Inferno, agora. Dê um passeio pelas ruas movimentadas de qualquer cidade. Mantenha os olhos abertos e preste atenção. Irá encontrar pessoas que estão lá neste momento. São pessoas a quem, instintivamente, dá espaço. São as pessoas que ficam irritadas se as olhar diretamente nos olhos, embora às vezes desviem a cara, com vergonha.”

 “Um objetivo – uma ambição – fornece a estrutura necessária para a ação. Um objetivo oferece um destino, um ponto de contraste relativamente ao presente, e uma bitola pela qual todas as coisas podem ser avaliadas.”

“Ter a tradição como referência pode ajudar-nos a estabelecer os objetivos. É razoável fazer o que as outras pessoas sempre fizeram, a menos que tenhamos uma boa razão para o contrário. É razoável que sejamos educados, que trabalhemos, que encontremos amor e que tenhamos uma família. É assim que a cultura se mantém. Mas é necessário apontar ao alvo, por mais tradicional que seja, com os olhos bem abertos. Temos uma direção, mas podemos estar errados. Temos um plano, mas pode estar mal formulado.”

“Mas o presente não é o passado. A sabedoria do passado deteriora-se, ou torna-se antiquada, e é proporcional à diferença genuína entre as condições do presente e do passado.”

“E porque não mentir? Porque não manipular as coisas, com o fim de obter um pequeno ganho, ou suaviza-las, ou manter a paz, ou evitar sentimentos de mágoa?”

“O motivo é simples. As coisas desmoronam. O que funcionou ontem não funcionará necessariamente hoje.”

“Quando as mentiras crescem o suficiente, o mundo inteiro estraga-se. Mas, se olhar bem de perto, a maior das mentiras é composta por mentiras menores, e essas são compostas por mentiras ainda mais pequenas – e a menor das mentiras é onde a grande mentira começa.”

“Dizer a verdade é criar a realidade mais habitável ao Ser. A verdade constrói edifícios que podem durar mil anos. A verdade alimenta e veste os pobres e torna nações ricas e seguras. A verdade reduz a terrível complexidade do homem à simplicidade da sua palavra, para que ele se possa tornar um aliado, em vez de um inimigo. A verdade torna o passado verdadeiramente passado, e faz o melhor uso das possibilidades do futuro. A verdade é o recurso natural supremo e inesgotável. É a luz na escuridão.”

“A verdade não são as opiniões partilhadas pelos outros, porque a verdade não é um conjunto de slogans nem uma ideologia. Em vez disso, é algo pessoal. A nossa verdade é algo que somente nós podemos dizer, algo baseado nas circunstâncias únicas da nossa vida. Apreenda a sua verdade pessoal. Comunique-a com cuidado, de maneira articulada, a si mesmo e aos outros. Assim, vai sentir-se mas seguro e que a vida é agora mais abundante, ao mesmo tempo que habita a estrutura das crenças atuais. Isso garantirá um futuro mais benevolente, por mais divergente que esse futuro seja das certezas do passado.”


Maio, 2020

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Regra 9 – Parta do princípio de que a pessoa que está a falar consigo talvez saiba alguma coisa que você não sabe

Regra 9 – Parta do princípio de que a pessoa que está a falar consigo talvez saiba alguma coisa que você não sabe


 “A psicoterapia é uma conversa genuína. E uma conversa genuína é exploração, articulação e elaboração de estratégias. Quando participa numa conversa genuína, ouve e fala. Sobretudo, ouve. Ouvir é prestar atenção. É incrível o que as pessoas dizem, se as ouvimos- Por vezes, se ouvir as pessoas, elas até dirão o que se passa de errado nas suas vidas. Por vezes, até dizem como planeiam consertar o que está errado. Por vezes, isso irá até ajudá-lo a consertar algo na sua vida.”

“O passado parece fixo, mas não é – não num sentido psicológico. Há muita coisa no passado, e a maneira como o organizamos pode estar sujeita a uma revisão drástica.”

“Um final suficientemente feliz pode mudar o significado de todos os acontecimentos anteriores, que passam a ser vistos como valiosos, tendo em conta esse final… O presente pode mudar o passado, e o futuro pode mudar o presente.”

“Quando nos lembramos do passado, também nos lembramos de algumas partes, mas esquecemos outras. Temos recordações claras de algumas coisas que aconteceram, mas de outras, não, embora sejam de igual importância – assim como, no presente, estamos cientes de alguns aspetos do que nos rodeia, mas inconscientes de outros.”

“A memória não é uma descrição objetiva do passado. A memória é uma ferramenta. A memória é o guia do passado para o futuro. Caso se lembre de algo mau que aconteceu, e caso descubra porquê, então, pode tentar evitar que algo mau aconteça novamente. Esse é o propósito da memória. Não é “recordar o passado”. É impedir que a mesma coisa aconteça uma e outra vez.”

 “As pessoas que oiço precisam de conversar, porque é assim que as pessoas pensam. As pessoas precisam de pensar. Caso contrário, afetadas pela cegueira, tropeçam, caem e acabam no fundo de um poço. Quando as pessoas pensam, simulam o mundo e planeiam como agir nesse mundo. Se fizerem um bom trabalho de simulação, não podem descobrir que tipo de coisas idiotas não devem fazer. Então, podem não fazer essas coisas idiotas. Então, não precisam de sofrer as consequências. Esse é o propósito de pensar. Mas não podemos fazê-lo sozinhos.”

“As pessoas julgam que pensam, mas não é verdade. Por norma, é a autocrítica que nos parece pensamento. O pensamento verdadeiro é raro – assim como ouvir verdadeiramente alguém. Pensar é ouvir-se a si mesmo. É difícil. Para pensar, precisa de ser pelo menos duas pessoas ao mesmo tempo. Então, tem de deixar que essas pessoas discordem. Pensar é um diálogo interior entre duas ou mais visões diferentes do mundo.”

“Não pode colocar os espantalhos de palha uns contra os outros quando está a pensar, porque, dessa maneira, não estará a pensar, mas sim a racionalizar, a posteriori. Está a encaixar aquilo que deseja num adversário fraco, só para não ter de mudar de ideias. Está a fazer propaganda. Está a usar um discurso duplo. Está a usar as suas conclusões para justificar as suas provas. Está a esconder-se da verdade.”

“O pensamento verdadeiro é complexo e exigente. Requer que sejamos simultaneamente comunicadores articulados e ouvintes cuidadosos e criteriosos. Envolve conflito. Então, temos de tolerar o conflito. Envolve negociação e compromisso. Então, temos de aprender a dar, a receber e a modificar as nossas premissas, e a ajustar os nossos pensamentos, até mesmo as nossas perceções do mundo.”

“O que deve fazer, se não for muito bom a pensar, se não conseguir ser duas pessoas ao mesmo tempo? Isso é fácil. Fala. Mas precisa de alguém para ouvir. Uma pessoa que escuta é o seu colaborador e o seu oponente.”

 “Uma pessoa que ouve pode refletir a multidão. Pode ser o penhasco que produz o eco. Essa pessoa pode fazer tudo isso sem falar. Pode fazê-lo se deixar simplesmente que a pessoa que fala se oiça a si mesma. Foi isso o que Freud recomendou, mantendo os seus pacientes deitados num sofá, a olhar para o teto, deixando que as suas mentes vagueassem e dissessem o que quer que fosse. É o método de livre associação. É assim que o psicanalista freudiano evita transferir os seus preconceitos e opiniões pessoais para a paisagem interior do paciente.”

“Sou colaborador e adversário, mesmo quando não falo. Não posso evitá-lo. As minhas expressões transmitem a minha resposta, mesmo quando são subtis. Então, estou a comunicar, como Freud enfatizou, mesmo se em silêncio.”

 “Carl Rogers, um dos grandes psicoterapeutas do século XX, sabia algo sobre como ouvir. Escreveu: “A grande maioria das pessoas não saber ouvir; vemo-nos obrigados a avaliar, porque ouvir é muito perigoso. O primeiro requisito é a coragem, e nem sempre a temos.” Ele sabia que ouvir podia transformar as pessoas. Sobre isso, Rogers comentou: “Pode achar que ouve bem as pessoas, e que nunca se depara com tais situações. Mas, neste caso, a probabilidade de que não tenha ouvido de acordo com o que descrevi é grande.” Rogers sugeriu que os seus leitores fizessem uma pequena experiência quando se vissem numa disputa: “Pare a discussão por um momento e institua esta regra: Cada um só pode falar depois de ter reafirmado, com precisão, as ideias e sentimentos daquele que falou antes, e mostrando a mesma satisfação dessa pessoa quando o fizer.”

“Quando alguém se opõe a nós, é muito tentador simplificar, parodiar ou distorcer a sua posição. Este é um jogo contraproducente, concebido tanto para prejudicar o dissidente, como para elevar injustamente o nosso estatuto pessoal. Por outro lado, se somos convidados a resumir a posição de alguém, de modo a que a pessoa concorde com esse resumo, podemos ter de articular o argumento de forma ainda mais clara e sucinta do que a pessoa que falou. Se primeiro dermos ao diabo o que lhe é devido, olhando para os seus argumentos a partir do seu ponto de vista, podemos (1) encontrar o valor desses argumentos e aprender algo no processo e (2) se ainda acharmos uq estão errados, temos de aperfeiçoar os nossos próprios argumentos. Isso vai fortalecer-nos. Então, não temos de deturpar mais a posição do nosso oponente (e podemos ter preenchido pelo menos parte da diferença entre os dois). Também estaremos mais bem preparados quando se trata de resistir às nossas próprias dúvidas.”

 “Há outra forma de conversa, quando nenhum dos participantes está a ouvir. Em vez disso, esperam que o outro se cale para poder falar, e, muitas vezes, o que dizem será algo que não tem nada que ver com o assunto em questão, porque a pessoa que espera ansiosamente para falar não está a ouvir.”

“Depois, há a conversa em que um participante tenta obter a vitória do seu ponto de vista… Durante essa conversa, que muitas vezes tende a ser ideológica, aquele que fala esforça-se para (1) denegrir ou ridicularizar o ponto de vista de alguém que tenha uma posição contrária, (2) usar provas seletivas e, finalmente, (3) impressionar os ouvintes (muitos dos quais já ocupam o mesmo espaço ideológico) com a validade das suas afirmações. O objetivo é obter apoio para uma visão do mundo abrangente, unitária e simplista… A pessoa que assim fala acredita que vencer a discussão faz com que esteja certa, e que isso valida necessariamente a estrutura da hierarquia da dominância com a qual mais se identifica. Essa é, muitas vezes – e sem surpresa -, a hierarquia em que a pessoa conseguiu maior sucesso, ou aquela com a qual está mais temperamentalmente alinhada. Quase todas as discussões que envolvem política ou economia desenvolvem-se dessa maneira, com cada participante a tentar justificar as suas posições fixas, a priori, em vez de aprender alguma coisa ou adotar uma estrutura diferente (aproveitando a novidade).”

“A comunidade é necessária para a integridade da psique individual. Ou seja: é preciso uma aldeia para organizar uma mente.”

“Se o comportamento de uma pessoa é tal que outras pessoas podem tolerá-lo, então, tudo o que ela precisa de fazer é colocar-se num contexto social. Depois as pessoas irão indicar – porque estão interessadas ou entediadas com o que ela diz, rindo ou não rindo das suas piadas, provocando, ridicularizando, ou até erguendo uma sobrancelha – se as suas ações e declarações são o que deveriam ser. Todos transmitem a todos esse desejo de encontrar um ideal. Punimo-nos e recompensamo-nos uns aos outros, de acordo com a forma como cada um se comporta segundo esse desejo – exceto, claro, quando estamos à procura de problemas.”

“Há ainda outras conversas que funcionam principalmente como demonstrações de inteligência… O propósito dessas conversas, como disse certa vez um amigo meu, bastante espirituoso, é “qualquer coisa que seja verdadeira ou engraçada”. Como a verdade e o humor são muitas vezes aliados próximos, essa combinação funciona bem.”

“… não há nada mais recompensador do que superar a história, a piada, o insulto ou a maldição de um bom comediante. Uma regra apenas se aplica: não seja chato (e tenha em atenção que, se em vez de ser engraçado estiver apenas a rebaixar genuinamente uma pessoa, isso não é bom).”

 “O último tipo de conversa, que se assemelha à conversa em que ouvimos atentamente, é uma forma de exploração mútua. Isso requer uma reciprocidade autêntica por parte daqueles que ouvem e falam. E permite que todos os participantes manifestem e organizem os seus pensamentos. Uma conversa de exploração mútua tem um tema, geralmente complexo, de interesse genuíno para os participantes. Todos os participantes tentam resolver o problema, em vez de insistir na validade a priori das suas posições. Todos agem com base na premissa de que têm algo a aprender. Esse tipo de conversa constitui a filosofia ativa, a mais elevada forma de pensamento e a melhor preparação para uma vida adequada.”

“Afinal, aquilo que sabemos, já sabemos de qualquer maneira – e, a menos que a nossa vida seja perfeita, o que sabemos não é suficiente.”

“Numa conversa dessas, importa o desejo pela verdade – da parte de ambos os participantes -, e a verdade é ouvir e falar verdadeiramente… Aí, somos suficientemente estáveis para sermos seguros, mas suficientemente flexíveis para podermos transformar.”

“Então, oiça – os outros e a si. A sua sabedoria não consiste no conhecimento que já possui, mas na busca contínua de conhecimento, que é a forma mais elevada de sabedoria.”


Maio, 2020

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