Regra 5 – Não deixe os seus filhos fazerem coisas que o levem a não gostar deles
“Pais mais atenciosos não deixariam que alguém com quem se preocupam verdadeiramente fosse objeto do desprezo da multidão.”
“O desejo dos pais de deixarem o filho seguir os seus impulsos sem o castigar gerou precisamente o efeito oposto: privaram-no da oportunidade de levar a cabo uma ação independente.”
“Também já vi pais incapazes de manter uma conversa entre adultos num jantar, porque os seus filhos, com quatro ou cinco anos, dominavam a cena social, comendo o miolo do pão e deixando as côdeas para os outros, sujeitado toda a gente à sua tirania infantil, enquanto o papá e a mamã observavam, envergonhados e desprovidos da capacidade de intervir.”
“Essas preocupações quotidianas são insidiosas. O facto de ocorrerem de forma habitual e previsível faz com que pareçam triviais. Mas essa aparência trivial é enganadora: são as coisas que acontecem todos os dias que verdadeiramente constituem as nossas vidas, e o tempo passado a fazer a mesma coisa, uma e outra vez, vai crescendo a um ritmo alarmante.”
“Independentemente das nossas boas intenções, por mais doce e tolerante que seja o nosso temperamento, não iremos manter boas relações com alguém com quem estamos em conflito durante todo esse tempo. Inevitavelmente, o ressentimento irá surgir. E mesmo que isso não aconteça, todo aquele tempo desagradável e desperdiçado podia certamente ter sido usado numa atividade mais produtiva, útil e menos aflitiva, mais agradável.”
“A beleza, a abertura, a alegria, a confiança e a capacidade para amar, que caracterizam as crianças, fazem com que seja fácil atribuir a totalidade da culpa aos adultos.”
“Também não é bom considerar que toda a corrupção humana é culpa da sociedade. Essa conclusão apenas muda o problema de lugar. Não explica nada, e não resolve os problemas. Se a sociedade é corrupta, mas não os indivíduos que a constituem, então, onde começou a corrupção? Como se propagou?”
“Diz-se que todas as pessoas são seguidoras conscientes ou inconscientes de algum filósofo importante. A crença de que as crianças têm um espírito intrinsecamente puro, danificado apenas pela cultura e pela sociedade, resulta, em grande parte, do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, do século XVIII. Rousseau era um crente fervoroso da influência corruptora da sociedade humana e da propriedade privada. Alegou que nada era tão gentil e maravilhoso como o homem no seu estado pré-civilização. Nesse preciso momento, notando a sua inabilidade como pai, Rousseau abandonou cinco dos seus filhos à misericórdia, tantas vezes fatal, dos orfanatos da época.”
“Mas os seres humanos são maus, assim como são bons, e a escuridão que reside nas nossas almas também está presente nos mais jovens. Em geral, as pessoas melhoram com a idade, em vez de piorar, tornando-se mais gentis, mais conscienciosas e emocionalmente mais estáveis à medida que amadurecem. O acosso e a violência do pátio da escola raramente se manifestam na sociedade adulta. O livro sombrio e anarquista O Deus das Moscas, de William Golding, é um clássico por alguma razão.”
“Porque as crianças, como outros seres humanos, não são apenas boas, não podem simplesmente ser deixada à própria sorte, intocadas pela sociedade e florescendo na perfeição. Até os cães devem ser socializados para se tornarem membros da matilha. As crianças são muito mais complexas do que os cães. Isto significa que têm muito mais propensão para descarrilarem caso não sejam treinadas, disciplinadas e devidamente encorajadas. Ou seja, é errado atribuir todas as tendências violentas dos seres humanos às patologias da estrutura social. O processo vital de socialização impede muitos danos e promove o bem. As crianças devem ser formadas e informadas, em caso contrário, não podem prosperar. Este facto reflete-se de forma clara no seu comportamento: as crianças estão desesperadas pela atenção dos colegas e dos adultos, porque essa atenção, que as transforma em elementos capazes e sofisticados da comunidade, é vitalmente necessária.”
“Se não lhes for prestada uma atenção cuidadosa, as crianças podem ser tão danificadas como o são por abuso, mental ou físico. Esse será um dano por omissão – em vez de intenção – mas não é menos grave ou duradouro. As crianças são danificadas quando os pais, “misericordiosamente” desatentos, não as ajudam a ser atentas, vigilantes e observadoras, deixando-as num estado inconsciente e indiferenciado. As crianças são danificadas quando os responsáveis pelo se cuidado, com medo de qualquer conflito ou perturbação, já não se atrevem a corrigi-las e deixam-nas sem orientação. Posso reconhecer essas crianças na rua.”
“Mas, na maioria das vezes, os pais modernos ficam simplesmente paralisados pelo medo de não serem mais apreciados, ou até mesmo amados, pelos filhos caso os castiguem por qualquer razão. Acima de tudo, os pais querem a amizade dos filhos e estão dispostos a sacrificar o respeito para obtê-la. Isso não é bom. Uma criança pode ter muitos amigos, mas apenas dois pais – se tanto -, e os pais são bem mas importantes do que os amigos. Os amigos têm uma autoridade muito limitada para corrigir a criança. Todos os pais, portanto, precisam de aprender a tolerar a raiva momentânea, ou mesmo o ódio, que os filhos lhes dirigem após uma ação corretiva necessária, porque a capacidade das crianças para perceber – ou se importar com – as consequências a longo prazo é muito limitada. Os pais são os árbitros da sociedade. São eles quem ensina as crianças a comportarem-se, de forma a que outras pessoas possam interagir com elas de maneira significativa e produtiva.”
“Os pais contemporâneos têm medo de duas palavras frequentemente interligadas: disciplinar e castigar, porque evocam imagens de prisões, soldados e botas de cano alto. A diferença entre disciplinador e tirano, ou punição e tortura é, de facto, muito pequena. Disciplina e castigo são coisas para manusear com prudência. Mas ambas são necessárias. Podem ser aplicadas inconsciente ou conscientemente, mal ou bem, mas não há como escapar ao seu uso.”
“Não é que seja impossível disciplinar com uma recompensa. De facto, recompensar um bom comportamento pode ser muito eficaz. O mais famoso de todos os psicólogos comportamentais, B. F. Skinner, era um grande defensor dessa abordagem, e especialista na matéria. Ensinava pombos a jogar pingue-pongue, embora os pássaros só fizessem a bola rodar para trás ou para a frente com os bicos.”
“Skinner observou como os animais que treinava realizavam tais feitos com uma diligência excecional. Qualquer ação dos pássaros que se aproximasse do que ele pretendia era imediatamente seguida de uma recompensa equilibrada: nem tão pequena que parecesse inconsequente, nem tão grande que desvalorizasse futuras recompensas.”
“Com essa abordagem, pode ensinar praticamente qualquer coisa a qualquer pessoa. Primeiro, descubra o que quer. Então, observe as pessoas em seu redor como se fosse um falcão. Por fim, sempre que vir algo parecido com aquilo que quer, vá adiante (um falcão, lembre-se) e ofereça uma recompensa.”
“Skinner, no entanto, era realista. Observou que o uso da recompensa era muito difícil: o observador tinha de esperar pacientemente até que o alvo manifestasse espontaneamente o comportamento desejado, e depois tinha de reforçar esse comportamento positivamente, o que exigia muito tempo e muita espera, e isso é um problema.”
“As emoções negativas, assim como as positivas, ajudam-nos a aprender.”
“Emoções, positivas e negativas, apresentam duas variantes diferenciadas. A satisfação (tecnicamente, saciedade) diz-nos que aquilo que fizemos foi bom, enquanto que a esperança (tecnicamente, a recompensa incentivadora) indica que algo prazenteiro está a caminho. A dor magoa-nos, por isso não repetimos ações que causaram danos pessoais ou isolamento social (a solidão também é, tecnicamente, uma forma de dor). A ansiedade faz-nos ficar longe das pessoas e dos lugares prejudiciais, a fim de não sentirmos dor. Todas essas emoções devem ser equilibradas entre si e cuidadosamente consideradas no seu contexto, mas todas são necessárias para nos mantermos vivos e prosperar. Portanto, prestamos um mau serviço aos nossos filhos quando não usamos o que temos para os ajudar a aprender, inclusivamente as emoções negativas, ainda que essa ajuda deva acontecer da forma mais misericordiosa possível.”
“Diante disso, a questão moral não é como proteger completamente as crianças das desventuras e dos fracassos, de modo a que nunca sintam medo ou dor, mas como maximizar a sua aprendizagem para que o conhecimento útil seja obtido com custo mínimo.”
“No filme da Disney, A Bela Adormecida, o rei e a rainha, depois de muito esperarem por uma gravidez, têm uma filha, a princesa Aurora. Organizam uma grande festa de batizado para a apresentar ao mundo. Recebem aqueles que amam e, assim, honram a filha. Mas não convidam Malévola (maliciosa, ruim), que é a Rainha do Submundo, ou a Natureza no seu disfarce negativo. Isto significa, simbolicamente, que os dois monarcas estão a proteger demasiado a filha amada, estabelecendo um mundo em seu redor que não tem nada de negativo. Mas isso não a protege, pelo contrário, deixa-a fraca.”
“É nesse momento que a maldição de Malévola se manifesta. Abre-se um portal no castelo, uma roda de fiar aparece e Aurora pica o dedo e cai, inconscientemente. Torna-se a Bela Adormecida. Ao fazê-lo (simbolicamente falando), escolhe a inconsciência em vez do terror da vida adulta. Algo existencialmente semelhante ocorre com muita frequência em crianças superprotegidas, que podem colapsar – e aí desejam a felicidade da inconsciência – após o primeiro contacto real com o fracasso ou, pior, com a maldade genuína – algo que elas compreendem ou não, mas para o qual não têm defesa.”
“Eis uma ideia inicial simples: as regras não devem ser multiplicadas além da necessidade. Ou seja, as más leis eliminam o respeito pelas boas leis. Esse é o equivalente ético – até mesmo legal - da Navalha de Occam, a guilhotina concetual do cientista, que afirma que a hipótese mais simples é também a preferível.”
“Limite as regras. Descubra o que fazer quando uma delas é desrespeitada.”
“Um único princípio, brilhantemente prático, pode ser usado para ponderar todas estas reações progressivamente mais graves: use a força mínima necessária.”
“Então, agora temos dois princípios gerais da disciplina. O primeiro: limite as regras. O segundo: use a força mínima necessária para aplicar essas regras.”
“Sobre o segundo princípio, igualmente importante, a sua pergunta pode ser: “Qua é a força mínima necessária?” Isso deve ser estabelecido de forma experimental, começando pela menor intervenção possível.”
“Observar as pessoas a reagir às crianças restaura a nossa fé na natureza humana. Tudo isso é multiplicado quando os filhos se portam bem em público. Para garantir que tais coisas aconteçam, tem de discipliná-los com cuidado e eficácia – e, para fazer isso, tem de saber algo sobre recompensa e punição, em vez de fugir do conhecimento.”
“… os pais devem reconhecer as suas capacidades para serem duros, vingativos, arrogantes, ressentidos, raivosos e manhosos. Muito poucas pessoas decidem conscientemente fazer um trabalho terrível como pais, mas a má paternidade acontece com demasiada frequência. Isso ocorre porque as pessoas têm uma grande capacidade para o mal, tal como para o bem – e porque, voluntariamente, decidem não reconhecer esse facto. As pessoas são agressivas e egoístas, bem como gentis e atenciosas. Por essa razão, nenhum ser humano adulto – nenhum macaco hierárquico e predador – pode realmente tolerar ser dominado por uma criança. A vingança chegará mais tarde ou mais cedo.”
“Os pais têm o dever de agir como representantes dos filhos no mundo real – representantes misericordiosos, atenciosos, mas sempre representantes.”
“Esse é o dever primordial dos pais: tornar os filhos socialmente desejáveis, o que proporcionará à criança oportunidades, autoestima e segurança.”
“Uma criança de três anos, adequadamente socializada, mostra boa educação e envolvimento com os outros. Também não deixa que os outros a tratem mal. Desperta o interesse das outras crianças e apreciação dos adultos. Existe num mundo onde as restantes crianças a aceitam, competem pela sua atenção, e onde os adultos ficam realmente felizes por vê-la, em vez de fingirem sorrisos. A criança será apresentada ao mundo por pessoas que têm prazer em fazê-lo. E isso fará mais pela construção da sua individualidade do que qualquer tentativa parental que procure, cobardemente, evitar os conflitos e a aplicação da disciplina do dia a dia.”
“Afinal, a verdade é que ama os seus filhos. Mas se os atos dos seus filhos fazem com que não goste deles, pense no efeito que esses atos terão nas outras pessoas – pessoas que não se preocupam tanto como um pai e uma mãe. Essas pessoas irão puni-los severamente por omissão ou ativamente.”
Maio, 2020