Neste mar de informação onde vivemos, por várias vezes me cruzei com a pergunta "sobre o que é que mudaste a tua posição recentemente?". No meu caso, foi a crença de que o estado é algo positivo, que nos beneficia.
Quando era adolescente comecei a deparar-me com informação que revelava as inúmeras falhas do "sistema" (como referido frequentemente no filme brasileiro tropa de elite). Influenciado pela rebeldia inata de qualquer adolescente, comecei a aperceber-me das inúmeras mentiras e desinformação a que estamos sujeitos. Estes dois fatores combinados contribuíram para um sentimento de cinismo e desprezo em relação ao estado.
Uma das minhas teorias defende que, enquanto seres humanos, estamos sempre a tentar resolver os problemas com os quais nos deparamos. O facto de agirmos para resolver esses problemas resulta, muitas vezes, na melhoria da situação presente. Porém surgem novas questões sobre as quais não ponderamos. O estado é um desses exemplos. O estado é o sistema que foi criado para resolver os principais problemas da sociedade. Porém, para serem identificados e corrigidos, estes problemas tiveram de ser generalizados. Desta forma, corrigiram-se os problemas maiores (os da sociedade como um todo). Ainda assim, estas soluções não consideraram, ou não foram suficientemente eficientes, para eliminar os problemas de toda a gente. Portanto, a solução de um problema grande, não corrige todos os problemas, por vezes até resulta na criação de novos problemas. Contudo, a questão principal, a maior, a mais importante, foi resolvida. Este é o jogo. Resolvemos o problema mais importante, mas vão surgir novos problemas, mas mais pequenos. E ao resolvermos esses problemas mais pequenos, vão surgir novos problemas, mas mais pequenos. Isto é o estado. O estado é este sistema do qual todos (pelo menos nos países desenvolvidos) tanto beneficiamos. Beneficiamos tanto que, a maior parte dessas coisas das quais beneficiamos nem as vemos como benefícios, mas como direitos. Por vezes, somos ingratos (uns mais que outros) relativamente a esta máquina que foi desenvolvida e aprimorada pelo tempo. Talvez porque o tempo fez com que certas pessoas e certos grupos tentassem corromper esta máquina. Alguns fizeram-no com sucesso. E por isso existe tanto desprezo e cinismo em relação ao estado. Algum é merecido. Mas a máquina ainda funciona. O estado ainda nos ajuda diariamente, independentemente das suas falhas. E por isso devemos estar gratos. Uma simples meditação sobre a nossa vida e conseguimos perceber isso. Isto se não estivermos cegos pela nossa ideologia.
A leitura deste livro do Jordan Peterson ajudou-me a meditar mais sobre algumas questões anteriormente apresentadas e a fortalecer algumas dessas ideias. Nomeadamente, as reflexões sobre a tradição, o conhecimento e as estruturas que são moldados pelas pessoas e pela história ao longo do tempo, foram especialmente importantes. Estes processos longitudinais são extremamente complexos e o facto de resistirem ao tempo e às dificuldades, continuando a provar a sua utilidade tendem a demonstrar a sua validade. Tal como o autor menciona, os erros saltam à vista e por isso é fácil reparar neles. Ainda assim, porque não desenvolver também a capacidade de apreciar a história e aquilo que nos deixado? Principalmente as pequenas coisas, que fazem parte do nosso dia a dia, que à primeira vista nem reparamos nelas.
Maio, 2020