Regra 7 – Procure alcançar aquilo que tem sentido (e não o que lhe dá jeito)

 

“A vida é sofrimento. Isso está claro. Não há verdade mais básica e irrefutável.”

“O prazer do que nos convém pode ser passageiro, mas é um prazer, e serve para combater o terror e a dor da existência.”

“Porque não, simplesmente, agarrar em tudo o que puder, sempre que surgir oportunidade? Porque não viver dessa maneira?”

“Ou há outra alternativa, mais poderosa e atraente?”

“O nosso conhecimento foi moldado pela interação com os outros. Estabelecemos rotinas e padrões previsíveis de comportamento, mas não entendemos nem sabemos qual a sua origem. Evoluíram durante longos períodos. Ninguém os formulava explicitamente (pelo menos não o faziam nos períodos mais obscuros do passado), embora, desde sempre, tenhamos dito uns aos outros como agir. Um dia, no entanto, não há muito tempo, acordámos. Começámos a perceber o que fazíamos. Começámos a usar os nossos corpos como dispositivos para representar as nossas ações. Começámos a imitar e a dramatizar. Inventámos o ritual. Começámos a representar as nossas próprias experiências. Então, começámos a contar histórias. Codificámos as observações relativas ao nosso próprio drama nessas histórias. Dessa maneira, as informações incorporadas primeiramente no nosso comportamento, foram representadas nessas histórias. Mas não nos demos conta, e ainda hoje não entendemos o que tudo isso significa.”

 “Enquanto praticantes do sacrifício, os nossos antepassados começaram a representar aquilo que, caso fosse articulado com palavras, seria considerado uma proposição: algo melhor pode ser alcançado no futuro se abdicarmos de algo com valor no presente.”

“Visto de uma forma mais prosaica, o tal sacrifício – o trabalho – é o adiantamento da gratificação, mas essa é uma frase muito mundana para descrever algo com um significado avassalador. A descoberta de que a gratificação pode ser adiada é, simultaneamente, a descoberta do tempo e, com isso, da causalidade (pelo menos a força causal da ação humana e voluntária). Há muito tempo, num passado obscuro, começámos a perceber que a realidade estava estruturada como se pudéssemos negociar com ela. Aprendemos que, se nos comportarmos adequadamente agora, no presente – regulando os nossos impulsos, considerando o sofrimento dos outros -, isso poderia trazer recompensas no futuro, num tempo e num lugar que ainda não existem. Começámos a inibir, a controlar e a organizar os nossos impulsos imediatos, para que parássemos de interferir com a vida de outras pessoas e com o nosso eu do futuro. Isso é o mesmo que dizer organização da sociedade: a descoberta da relação causal entre os nossos esforços no presente e a possível qualidade do futuro motivou o contrato social – a organização que permite que o trabalho de hoje seja armazenado de forma segura (sobretudo na forma de promessas dos outros).”

“Com a morte de um grande animal, e depois de saciarem a fome, há comida para vários dias após a matança. No início, isso é apenas acidental - mas, eventualmente, a utilidade do “para mais tarde” começa a ser apreciada. Alguma noção de sacrifício desenvolve-se: “Se deixar alguma comida para mais tarde, mesmo que a queira agora, não terei de passar fome depois.” Essa noção provisória avança para o próximo nível (“Se deixar alguma comida para mais tarde não preciso de passar fome, nem aqueles de quem gosto”) e depois para o nível seguinte (“Não posso comer este mamute todo, mas também não posso guardar os restos por muito tempo. Talvez possa dar de comer a algumas pessoas, e talvez elas se lembrem de mim e me alimentem com um pouco do seu mamute quando eu não tiver comida. Então, como um pouco do mamute agora, e um pouco mais tarde. Um bom negócio. E talvez aqueles com quem partilho a comida venham a confiar mais em mim. Talvez, então, possamos colaborar para sempre”). Dessa maneira, “mamute” passa a “mamute futuro”, e “mamute futuro” passa a “reputação pessoal”. Assim surge o contrato social.”

“Partilhar não significa dar algo que valorizamos e não receber nada em troca. Isso é o que acham todas as crianças que se recusam a partilhar. Partilhar meios apropriadamente significa estabelecer um comércio.”

“É melhor ter alguma coisa do que não ter nada. Melhor ainda é partilhar generosamente o que temos. É ainda melhor, no entanto, sermos amplamente conhecidos pela nossa generosidade. É algo que perdura.”

 “A tragédia do ser autoconsciente produz sofrimento, e este é inevitável. Esse sofrimento, por sua vez, motiva o desejo de gratificação imediata e egoísta – aquilo que é conveniente. Mas, para manter o sofrimento sob controlo, o sacrifício e o trabalho são muito mais eficazes do que o prazer impulsivo de curto prazo.”

 “Descartes procurava a base fundamental, sobre a qual o Ser correto seria estabelecido. Encontrou essa base no “eu” que pensa – o “eu” que está consciente, exemplificado no famoso axioma cogito ergo sum (penso, logo existo). Mas esse “eu” foi concetualizado muito antes. Milhares de anos antes, o “eu” consciente era o olho de Hórus que tudo via, o grande deus egípcio, filho-e-sol, que renovava o Estado ao confrontá-lo com a sua inevitável corrupção. Antes, foi o criador-deus Marduk, dos mesopotâmios, que tinha olhos à volta de toda a cabeça, e que dizia palavras mágicas capazes de criar o mundo. Durante a época cristã, o “eu” transformou-se o Logos, a Palavra, que traz a ordem ao Ser no começo dos Tempos. Pode dizer-se que Descartes apenas secularizou o Logos, transformando-o mais explicitamente em “aquilo que é consciente e pensa”. Esse é o “eu” moderno.”

“Podemos criar representações abstratas sobre modos potenciais do Ser. Podemos criar uma ideia no teatro da imaginação. Podemos testá-la em oposição a outras ideias – nossas, dos outros, do próprio mundo. Se ficarmos aquém, podemos, segundo Popper, deixar que as nossas ideias morram em vez de nós.”

“A ideia não é um mesmo que um facto. Um facto está morto, enquanto a ideia “agarra” a atenção de uma pessoa, está viva. Quer expressar-se, viver no mundo.”

“É por essa razão que os psicólogos da profundida – entre eles Freud e Jung – insistem que a psique humana é um campo de batalha das ideias. Uma ideia tem um objetivo. Quer algo. Afirma uma estrutura de valores. Uma ideia acredita que aquilo que almeja é melhor do que aquilo que tem agora. Reduz o mundo às coisas que ajudam, ou que impedem, a sua realização, e reduz tudo o resto à irrelevância.”

“Isso quer dizer que o futuro pode ser melhor caso os sacrifícios apropriados aconteçam no presente. Nenhum outro animal jamais descobriu isto; e nós precisámos de centenas de milhares de anos para o conseguir.”

 “A conveniência é aquilo que se segue ao impulso cego. É um ganho a curto prazo.”

“Mas o significado é o seu substituto. O significado surge quando os impulsos são regulados, organizados e unificados. O significado surge da interação entre as possibilidades do mundo e a estrutura de valores que opera dentro desse mundo. Se a estrutura de valores está orientada para a melhoria do Ser, o significado será a manutenção da vida, que fornecerá o antídoto para o caos e o sofrimento. Isso torna tudo importante. Isso dará tudo melhor.”

“Se agir corretamente, as suas ações permitem que seja psicologicamente integrado agora, amanhã e no futuro, ao mesmo tempo que se beneficia a si, à sua família e ao mundo mais amplo em seu redor.”

“O significado supera o que é conveniente. O significado gratifica todos os impulsos, agora e para sempre.”

“O que é conveniente é aquilo que esconde todos os esqueletos no armário. É o que cobre o sangue derramado no tapete. É aquilo que evita a responsabilidade.”

“É errado porque a mera conveniência, multiplicada por muitas repetições, produz o carácter de um demónio.”

“Ter um significado na vida é melhor do que termos aquilo que queremos, porque podemos nem saber o que queremos, nem o que realmente precisamos.”

“Significado quer dizer que estamos no lugar certo, na hora certa, devidamente equilibrados entre a ordem e o caos, no sítio onde tudo se alinha da melhor maneira possível naquele momento.”

“É o Hino da Alegria, de Beethoven, algo triunfante, que surge do nada, padrão após padrão, cada instrumento desempenhando o seu papel e as vozes disciplinadas abrangendo toda a amplitude da emoção humana, do desespero à alegria.”

“O significado é aquilo que se manifesta quando os variados níveis do Ser se organizam numa harmonia perfeitamente funcional, desde o microcosmo atómico até ao órgão, passando pela individualidade, pela sociedade, pela natureza e pelo cosmos, de modo a que a ação, em cada nível, facilite, de forma perfeita e bela, a própria ação – de forma a que o passado, o presente e o futuro sejam redimidos e reconciliados.”

“O significado acontece quando essa dança se torna tão intensa que todos os horrores do passado, toda a luta terrível da humanidade, se tornam uma parte necessária e valiosa para a tentativa, cada vez mais bem-sucedida, de construir algo verdadeiramente Poderoso e Bom.”

“O significado é o equilíbrio final entre o caos da transformação e da possibilidade, e a disciplina da ordem primitiva, cuja finalidade é produzir uma nova ordem a partir o caos, e que será ainda mais imaculada, e capaz de criar um caos e uma ordem ainda mais equilibrada e produtiva.”


Maio, 2020

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