Regra 9 – Parta do princípio de que a pessoa que está a falar consigo talvez saiba alguma coisa que você não sabe
“A psicoterapia é uma conversa genuína. E uma conversa genuína é exploração, articulação e elaboração de estratégias. Quando participa numa conversa genuína, ouve e fala. Sobretudo, ouve. Ouvir é prestar atenção. É incrível o que as pessoas dizem, se as ouvimos- Por vezes, se ouvir as pessoas, elas até dirão o que se passa de errado nas suas vidas. Por vezes, até dizem como planeiam consertar o que está errado. Por vezes, isso irá até ajudá-lo a consertar algo na sua vida.”
“O passado parece fixo, mas não é – não num sentido psicológico. Há muita coisa no passado, e a maneira como o organizamos pode estar sujeita a uma revisão drástica.”
“Um final suficientemente feliz pode mudar o significado de todos os acontecimentos anteriores, que passam a ser vistos como valiosos, tendo em conta esse final… O presente pode mudar o passado, e o futuro pode mudar o presente.”
“Quando nos lembramos do passado, também nos lembramos de algumas partes, mas esquecemos outras. Temos recordações claras de algumas coisas que aconteceram, mas de outras, não, embora sejam de igual importância – assim como, no presente, estamos cientes de alguns aspetos do que nos rodeia, mas inconscientes de outros.”
“A memória não é uma descrição objetiva do passado. A memória é uma ferramenta. A memória é o guia do passado para o futuro. Caso se lembre de algo mau que aconteceu, e caso descubra porquê, então, pode tentar evitar que algo mau aconteça novamente. Esse é o propósito da memória. Não é “recordar o passado”. É impedir que a mesma coisa aconteça uma e outra vez.”
“As pessoas que oiço precisam de conversar, porque é assim que as pessoas pensam. As pessoas precisam de pensar. Caso contrário, afetadas pela cegueira, tropeçam, caem e acabam no fundo de um poço. Quando as pessoas pensam, simulam o mundo e planeiam como agir nesse mundo. Se fizerem um bom trabalho de simulação, não podem descobrir que tipo de coisas idiotas não devem fazer. Então, podem não fazer essas coisas idiotas. Então, não precisam de sofrer as consequências. Esse é o propósito de pensar. Mas não podemos fazê-lo sozinhos.”
“As pessoas julgam que pensam, mas não é verdade. Por norma, é a autocrítica que nos parece pensamento. O pensamento verdadeiro é raro – assim como ouvir verdadeiramente alguém. Pensar é ouvir-se a si mesmo. É difícil. Para pensar, precisa de ser pelo menos duas pessoas ao mesmo tempo. Então, tem de deixar que essas pessoas discordem. Pensar é um diálogo interior entre duas ou mais visões diferentes do mundo.”
“Não pode colocar os espantalhos de palha uns contra os outros quando está a pensar, porque, dessa maneira, não estará a pensar, mas sim a racionalizar, a posteriori. Está a encaixar aquilo que deseja num adversário fraco, só para não ter de mudar de ideias. Está a fazer propaganda. Está a usar um discurso duplo. Está a usar as suas conclusões para justificar as suas provas. Está a esconder-se da verdade.”
“O pensamento verdadeiro é complexo e exigente. Requer que sejamos simultaneamente comunicadores articulados e ouvintes cuidadosos e criteriosos. Envolve conflito. Então, temos de tolerar o conflito. Envolve negociação e compromisso. Então, temos de aprender a dar, a receber e a modificar as nossas premissas, e a ajustar os nossos pensamentos, até mesmo as nossas perceções do mundo.”
“O que deve fazer, se não for muito bom a pensar, se não conseguir ser duas pessoas ao mesmo tempo? Isso é fácil. Fala. Mas precisa de alguém para ouvir. Uma pessoa que escuta é o seu colaborador e o seu oponente.”
“Uma pessoa que ouve pode refletir a multidão. Pode ser o penhasco que produz o eco. Essa pessoa pode fazer tudo isso sem falar. Pode fazê-lo se deixar simplesmente que a pessoa que fala se oiça a si mesma. Foi isso o que Freud recomendou, mantendo os seus pacientes deitados num sofá, a olhar para o teto, deixando que as suas mentes vagueassem e dissessem o que quer que fosse. É o método de livre associação. É assim que o psicanalista freudiano evita transferir os seus preconceitos e opiniões pessoais para a paisagem interior do paciente.”
“Sou colaborador e adversário, mesmo quando não falo. Não posso evitá-lo. As minhas expressões transmitem a minha resposta, mesmo quando são subtis. Então, estou a comunicar, como Freud enfatizou, mesmo se em silêncio.”
“Carl Rogers, um dos grandes psicoterapeutas do século XX, sabia algo sobre como ouvir. Escreveu: “A grande maioria das pessoas não saber ouvir; vemo-nos obrigados a avaliar, porque ouvir é muito perigoso. O primeiro requisito é a coragem, e nem sempre a temos.” Ele sabia que ouvir podia transformar as pessoas. Sobre isso, Rogers comentou: “Pode achar que ouve bem as pessoas, e que nunca se depara com tais situações. Mas, neste caso, a probabilidade de que não tenha ouvido de acordo com o que descrevi é grande.” Rogers sugeriu que os seus leitores fizessem uma pequena experiência quando se vissem numa disputa: “Pare a discussão por um momento e institua esta regra: Cada um só pode falar depois de ter reafirmado, com precisão, as ideias e sentimentos daquele que falou antes, e mostrando a mesma satisfação dessa pessoa quando o fizer.”
“Quando alguém se opõe a nós, é muito tentador simplificar, parodiar ou distorcer a sua posição. Este é um jogo contraproducente, concebido tanto para prejudicar o dissidente, como para elevar injustamente o nosso estatuto pessoal. Por outro lado, se somos convidados a resumir a posição de alguém, de modo a que a pessoa concorde com esse resumo, podemos ter de articular o argumento de forma ainda mais clara e sucinta do que a pessoa que falou. Se primeiro dermos ao diabo o que lhe é devido, olhando para os seus argumentos a partir do seu ponto de vista, podemos (1) encontrar o valor desses argumentos e aprender algo no processo e (2) se ainda acharmos uq estão errados, temos de aperfeiçoar os nossos próprios argumentos. Isso vai fortalecer-nos. Então, não temos de deturpar mais a posição do nosso oponente (e podemos ter preenchido pelo menos parte da diferença entre os dois). Também estaremos mais bem preparados quando se trata de resistir às nossas próprias dúvidas.”
“Há outra forma de conversa, quando nenhum dos participantes está a ouvir. Em vez disso, esperam que o outro se cale para poder falar, e, muitas vezes, o que dizem será algo que não tem nada que ver com o assunto em questão, porque a pessoa que espera ansiosamente para falar não está a ouvir.”
“Depois, há a conversa em que um participante tenta obter a vitória do seu ponto de vista… Durante essa conversa, que muitas vezes tende a ser ideológica, aquele que fala esforça-se para (1) denegrir ou ridicularizar o ponto de vista de alguém que tenha uma posição contrária, (2) usar provas seletivas e, finalmente, (3) impressionar os ouvintes (muitos dos quais já ocupam o mesmo espaço ideológico) com a validade das suas afirmações. O objetivo é obter apoio para uma visão do mundo abrangente, unitária e simplista… A pessoa que assim fala acredita que vencer a discussão faz com que esteja certa, e que isso valida necessariamente a estrutura da hierarquia da dominância com a qual mais se identifica. Essa é, muitas vezes – e sem surpresa -, a hierarquia em que a pessoa conseguiu maior sucesso, ou aquela com a qual está mais temperamentalmente alinhada. Quase todas as discussões que envolvem política ou economia desenvolvem-se dessa maneira, com cada participante a tentar justificar as suas posições fixas, a priori, em vez de aprender alguma coisa ou adotar uma estrutura diferente (aproveitando a novidade).”
“A comunidade é necessária para a integridade da psique individual. Ou seja: é preciso uma aldeia para organizar uma mente.”
“Se o comportamento de uma pessoa é tal que outras pessoas podem tolerá-lo, então, tudo o que ela precisa de fazer é colocar-se num contexto social. Depois as pessoas irão indicar – porque estão interessadas ou entediadas com o que ela diz, rindo ou não rindo das suas piadas, provocando, ridicularizando, ou até erguendo uma sobrancelha – se as suas ações e declarações são o que deveriam ser. Todos transmitem a todos esse desejo de encontrar um ideal. Punimo-nos e recompensamo-nos uns aos outros, de acordo com a forma como cada um se comporta segundo esse desejo – exceto, claro, quando estamos à procura de problemas.”
“Há ainda outras conversas que funcionam principalmente como demonstrações de inteligência… O propósito dessas conversas, como disse certa vez um amigo meu, bastante espirituoso, é “qualquer coisa que seja verdadeira ou engraçada”. Como a verdade e o humor são muitas vezes aliados próximos, essa combinação funciona bem.”
“… não há nada mais recompensador do que superar a história, a piada, o insulto ou a maldição de um bom comediante. Uma regra apenas se aplica: não seja chato (e tenha em atenção que, se em vez de ser engraçado estiver apenas a rebaixar genuinamente uma pessoa, isso não é bom).”
“O último tipo de conversa, que se assemelha à conversa em que ouvimos atentamente, é uma forma de exploração mútua. Isso requer uma reciprocidade autêntica por parte daqueles que ouvem e falam. E permite que todos os participantes manifestem e organizem os seus pensamentos. Uma conversa de exploração mútua tem um tema, geralmente complexo, de interesse genuíno para os participantes. Todos os participantes tentam resolver o problema, em vez de insistir na validade a priori das suas posições. Todos agem com base na premissa de que têm algo a aprender. Esse tipo de conversa constitui a filosofia ativa, a mais elevada forma de pensamento e a melhor preparação para uma vida adequada.”
“Afinal, aquilo que sabemos, já sabemos de qualquer maneira – e, a menos que a nossa vida seja perfeita, o que sabemos não é suficiente.”
“Numa conversa dessas, importa o desejo pela verdade – da parte de ambos os participantes -, e a verdade é ouvir e falar verdadeiramente… Aí, somos suficientemente estáveis para sermos seguros, mas suficientemente flexíveis para podermos transformar.”
“Então, oiça – os outros e a si. A sua sabedoria não consiste no conhecimento que já possui, mas na busca contínua de conhecimento, que é a forma mais elevada de sabedoria.”
Maio, 2020